O ataque era um exemplo de sintonia e ritmo,mesmo sem Puskas, seu grande herói
A coluna “Um olhar” começou, sábado passado, uma série em que conta a história de uma das mais fascinantes seleções de futebol de todos os tempos : a da Hungria, campeã olímpica, em 1952, e vice mundial em 54 na Copa da Suíça.
Com vocês, o segundo capítulo sobre a vida de uma equipe que, pelo menos aqui no Brasil, virou um mito, graças aos delírios literários de Nelson Rodrigues.Ele jurava, dia e noite, que ´´a seleção húngaro só existiu na imaginação do Armando Nogueira“
O ataque húngaro era um primor de harmonia. O movimento simultâneo Hidegkuti, Kocsis, Boszik, Gzibor e Budai tinha qualquer coisa de musical. É bom lembrar que Puskas não jogou contra o Brasil. Machucou seriamente o tornozelo num carrinho selvagem do alemão Liebrich, no turno eliminatório, em Basiléia.
Justiça seja feita:a equipe brasileira começou por baixo, mas acabaria endurecendo a parada graças ao talento individual de jogadores como Didi e, principalmente, Juninho. Que admirável individualista! É verdade que a Hungria enfraquecida pela falta de Puskas, perderia praticamente seu ponta Toth II que, com distensão muscular, limitou-se a fazer número, esquecido no costado direito do campo.
Quando cheguei ao Brasil, uma semana depois da Copa, meus amigos ficaram surpresos com a revelação, feita por mim, de que os húngaros jogaram o segundo tempo com menos um. As rádios brasileiras sonegaram essa informação aos ouvintes. Certamente, por ardor patriótico.
O que deveria ter sido um clássico do futebol brasileiro internacional acabaria sendo uma batalha campal. Foram expulsos dois brasileiros e um húngaro. Nilton Santos, por uma troca de pontapés com o médico Boszik. Humberto, segundo ele próprio me diria, entrando mais cedo no vestiário:
– Ah, enfiei o pé num…
Uma explicação :eu cheguei ao vestiário brasileiro dez minutos antes do fim do jogo. Fui fotografar o Nilton Santos e entrevistá-lo sobre o incidente. Ali, Nilton me contaria que, ao entrar no banheiro (comum aos dois times), deu de cara com seu eventual desafeto Boszik. Os dois nus em pêlo, embaixo dos chuveiros. Um olhando para o outro. Nilton Santos preparou-se para o pior. Mas eis, que , num gesto comovente, Boszik estendeu-lhe a mão. Os dois se cumprimentaram, em silêncio. Dois craques, dois cavalheiros num solitário instante de santidade.
Minutos depois do momento de nobreza vivido embaixo dos chuveiros terminava o jogo e começava uma grossa pancadaria entre os jogadores das duas equipes. Até jornalista entrou na dança. Houve, então,cenas grotescas. A mais espetacular foi, sem dúvida, a rasteira que o radialista brasileiro Paulo Planet Buarque deu num alentado guarda Suíço. O ilustre gendarme desabou por inteiro deixando pasmado o estádio de Berna. A foto do rapaz foi capa da revista ´´Paris Match“ certamente, a mais influente publicação semanal ilustrada da Europa.
A coisa continuaria preta no túnel de acesso aos dois vestiários. Há versões de que Puskas teria dado uma garrafada na cabeça do jogador Pinheiro. Acompanhei o sururu, de ouvido. Eu estava no vestiário brasileiro e escutava os gritos. Era a pancadaria comendo solta. Decidi, então, enfiar pelo basculante minha Rolleyflex. Sem olhar, disparei o flash eletrônico na direção da pauleira. E não é que fui premiado?
No dia seguinte, o filme da minha máquina mostrava o flagrante de raro sabor jornalístico: a figura do técnico Zezé Moreira empunhando uma chuteira e pronto para desferir o golpe- ou um contragolpe. Em quem, não dava para distinguir na foto. Coincidência ou não,os jornais suíços estampavam o flagrante de um combatente húngaro com a cabeça enfaixada. Era o vice-ministro de esporte da Hungria Gustavo Sabes, que dizia ter levado uma senhora chuteirada de um inimigo
A foto publicada no Brasil pelo ´´Diário Carioca“, me renderia alguns trocados. Vendi cópias a diversas revistas nacionais e estrangeiras. Em compensação, custou uma boa amizade. Nunca mais Zezé Moreira foi o mesmo comigo.
No próximo sábado, confira o terceiro capítulo da história da ´´seleção húngara do Armando Nogueira“.