A “Snack Culture”, os Blogs de Futebol e a “Falação Esportiva”1

Ary José ROCCO JUNIOR2

RESUMO

A cultura contemporânea vem sofrendo, nos últimos anos, constantes mudanças. Atualmente, com o surgimento de novas mídias como os iPods, celulares e palmtops, a cultura pop  vem  embalada  em  formatos  passíveis  de  serem  consumidos  com  a  mesma rapidez e descompromisso com o qual degustamos um pacote de bolacha. Surge, assim, a “Snack Culture”, que nos liga aos nossos PCs para  consumir sexo e violência, mandar scraps no orkut, navegar por blogs, assistir vídeos  no YouTube e conversar no MSN. O objetivo  desse  trabalho  é  identificar  como esses novos formatos da “Snack Culture” se manifestam na cultura e no consumo do torcedor de futebol.

PALAVRAS-CHAVE: Snack  Culture,  pós-modernidade,  futebol,  blogs  e  torcedor-consumidor.

Introdução

A cultura do esporte mundial, com o apoio dos meios  de comunicação de massa, tem  experimentado,  nas  três  últimas  décadas,  um  crescimento  financeiro  vertiginoso. Em todo o mundo, “o setor do esporte profissional gerou uma receita superior a US$ 54 bilhões em 2001. Tal valor deve crescer mais de 7% ao ano no próximo quadriênio e a receita   líquida   deve   chegar   a   US$   73   bilhões   em   2005”   (REVISTA   HSM MANAGEMENT,  2003,  p.37).  Além  disso,  o “sportainment”3   beneficia  segmentos afins,  como  as  indústrias  do  turismo  e  da  publicidade,  “movimentando  indiretamente, em 2001, US$ 370 milhões em todo o mundo” (IDEM).

O  futebol,  esporte  de  maior  alcance  global  do  planeta,  movimenta  grande  parte dos valores mencionados. Só a venda dos direitos de  transmissão para a Copa do Mundo de   2006,   na   Alemanha,   atingiu   “US$   1,7   bilhão   (cerca   de   R$   3,74   bilhões)” (MÁQUINA  DO  ESPORTE,  2005)  pago  à  FIFA  por  emissoras  de  televisão  de  todo  o mundo  para  a  exibição  do  campeonato.  “O  valor  é  25%   maior  do  que  o  pago  pelos direitos  de  transmissão  da  Copa  de  2002,  que  tinha sido  a  mais  alta  soma  da  história” (IDEM).

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  1. Trabalho  apresentado  no  NP  Comunicação  Cientifica do  XXXI  Congresso  Brasileiro  de  Ciências  da Comunicação. 
  2. Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Coordenador do  Curso  de  Comunicação  Social  do  Centro  Universitário  FECAP/SP,  Professor  dos  cursos  de  Jornalismo  da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade  Paulus de Comunicação e Tecnologia (FAPCOM), Colunista de Futebol Argentino do Programa “No Mundo da Bola” da Rádio Jovem Pan (620 MHz) e Árbitro de Futebol.
  3. Entretenimento esportivo.

Todos esses dados servem para dar uma idéia da dimensão global que o futebol e a cultura que o cerca ocupam na indústria mundial de consumo. Hoje, as grandes marcas de artigos esportivos, que vestem as principais seleções e clubes do futebol mundial, em especial os europeus, concentram suas estratégias mercadológicas na “busca do torcedor internacional e na promoção de suas marcas” (REVISTA HSM MANAGEMENT, 2003, p.39). 

Dentro  deste  contexto,  merece  destaque  a  crescente participação  de  clubes esportivos,  seus  patrocinadores,  jornalistas  e  torcedores  de  futebol  no  universo  das novas  mídias.  Em  razão  dos  valores  financeiros  que orbitam  em  torno  da  cultura  do futebol,  um  grande  número  de  empresas  começou  a  enxergar  nesse  universo,  uma  excelente perspectiva de negócio, colocando o esporte como um dos principais vértices da tão propalada indústria do entretenimento e, consequentemente, do consumo.

É nossa intenção, nesse trabalho, mostrar, através da análise da participação dos torcedores  em  blogs  relacionados  ao  futebol,  como  o  consumo  é  o  principal  elemento  que norteia essa participação. Queremos mostrar com  isso, também, como o esporte está inserido  na  “snack  culture”,  ou  seja,  vem  embalado em  formatos  passíveis  de  serem consumidos  com  rapidez  e  descomprometimento.  Tudo  isso  promove  a  desconstrução da identidade do torcedor pós-moderno e, também, contribui para a crise que afeta essa identidade  na  pós-modernidade  dentro  da  cultura  que  cerca  o  universo  do  futebol mundial.

1.         A “Snack Culture”

Quando  se  fala  das  tendências  presentes  no  panorama  atual,  muitos  autores enfatizam   a   questão   das   sucessivas   inovações   tecnológicas   e   informacionais, relacionando-as  aos  redimensionamentos  comunicacional  e  sociocultural  que  estão ocorrendo  neste início de século. Isso porque “as tecnologias portam uma mudança em si, intrínseca  a  si  mesmas,  que  têm  ressonância  no social,  de  tal  forma  que  remetem  a toda uma mudança no próprio código social” (MARCONDES FILHO, 1994, p.1).

As redes   comunicacionais,   condicionadas   pelos   intensos   desenvolvimentos técnico e tecnológico presentes na segunda metade do século passado e início deste, são fenômenos  de  extrema  importância  no  que  se  refere  às  transformações  ocorridas  nas sociedades  contemporâneas.  Em  menos  de  meio  século, elas contribuíram, entre outros aspectos,  de  forma  significativa  para  a  remodelagem  das  culturas,  a  terceirização  da economia e a rearticulação política.

Ao  falar-se  em  redes  comunicacionais,  considera-se seu  alinhamento  em  duas grandes  matrizes:  as  redes  convencionais  e  as  redes  avançadas.  Aquelas  são,  em  geral, possibilitadas  pelo  encadeamentos  dos  media  eletrônicos  anteriores  ao  advento  dos computadores, como a imprensa, a telefonia, o rádio  e a TV; estas, por sua vez, referem-se  aos  media  informáticos,  como  o  ciberespaço,  sendo  a  Internet  o  exemplo  mais conhecido e acabado (COLETIVO NTC, 1996, p.264).

Para Kroker e Cook (1991, p.267-279), a técnica, na passagem do século, surgiu como  um  sistema  que  organiza  o  mundo  em  crise,  pois ela passa a amarrar a realidade em  um  contexto  onde  as  máquinas  se  tornam  sujeitos.  Nessa  nova  fase,  que  nega  a anterior,  os  media,  ao  liquidarem  e  exterminarem  a história,  ocupam  o  seu  lugar, tornando-se a própria história. Uma de suas teses é de que a televisão, considerada como tecnologia  pós-moderna,  opera  um  ponto  de  ruptura  entre  declínio  do  mundo  de  um récem-passado sociológico e a insurgência de outro, que é o da comunicação.

Baudrillard  (1992)  caracteriza  o  estado  de  coisas  atual  como  sendo  o  da  “pós-orgia”, ou seja, um momento que já ultrapassou a explosividade própria à modernidade onde ocorreu a liberação em todos os domínios:

Liberação  política,  liberação  sexual,  liberação  das  forças  produtivas,  liberação das   forças   destrutivas,   liberação   da   mulher,   da   criança,   das   pulsações inconscientes,   liberação   da   arte.   Assunção   de   todos   os   modelos   de representação e de todos os modelos de anti-representação (IBIDEM, p.9).

Na  era  pós-tudo,  a  distinção  entre  o  verdadeiro  e  o  falso,  o  certo  e  o  errado caíram por água abaixo e tudo, desde a política, passando pelo sexo até o esporte, entra num  processo  de  confusão  e  contágio,  já  que,  de  acordo  com  Baudrillard,  num  mundo em  que  se  vive  a  antecipação  de  todos  os  resultados,  a  disponibilidade  de  todos  os signos,  de  todas  as  formas,  de  todos  os  desejos,  as  finalidades  da  liberação  já  não  têm mais  importância  e  nada  mais  desaparece  pelo  fim  ou  pela  morte,  mas  sim  por proliferação, contaminação e excesso.

O  esquema  atual  de  nossa  cultura,  segundo  o  filósofo  francês,  é  peculiar  ao fractal,  na  medida  em  que  fica  cada  vez  mais  difícil  estabelecermos  um  sentido,  uma idéia,  um  valor  ou  um  conteúdo  para  as  coisas,  que passam  a  se  auto-reproduzirem numa  sucessão  contínua.  Se  a  utopia  estética,  presente  na  modernidade,  preconizava  a transcendência  da  arte  como  forma  ideal  de  vida,  hoje  sua  forma  de  abolição  se  dá através  da  estetização  geral  da  vida  cotidiana.  A  comunicação  substitui  o  social,  visto que,  ao  ser  hiper-relacional,  ela  acaba  sendo  vetor  da  sociabilidade  humana  e,  neste caso,  mais  social  do  que  o  próprio  social.  A  utopia  da  informação  cede  lugar  à  super-exposição  e  ao  excesso  de  conhecimento,  que  se  sucedem  num  ritmo  contínuo,  cujo pressuposto é a impossibilidade do silêncio.

Assim  sendo,  vivemos  na  sociedade  da  proliferação, daquilo  que  continua  a crescer  sem  poder  ser  medido  por  seus  próprios  fins,  levando  a  um  entupimento  dos sistemas,   a   uma   desregulação   por   hipertelia,   por   excesso   de   funcionalidade.   A proliferação  ad infinitum  na  qual  vivemos  é  fatal, segundo  Baudrillard,  pois  cria simultaneamente  uma  situação  de  tetanização,  de  inércia  e  saturação  (IBIDEM,  p.39). Diante desses fatos, nosso sistema é o da não-contradição, do entusiasmo, do êxtase e da estupefação diante de processos que não têm sentido, ou que teriam sentido demais, em vista  de  sua  obesidade.  Trata-se  de  uma  sociedade  condenada  a  retirar  os  traços negativos  das  coisas,  procurando  remodelá-las  idealmente  através  de  uma  operação  de síntese. Sociedade em que predomina a técnica, e tudo que é produzido é induzido.  

Dentro  desse  contexto,  surge  a  “snack  culture”,  caracterizada  pelo  consumo  de entretenimento  instantâneo.  O  termo,  cunhado  pela  revista “Wired”, significa, ao pé da letra, a cultura do aperitivo, que se prolifera e traz pequenas doses de diversão.

O   conceito,   difundido   pelo   magazine   norte-americano  especializado   em tecnologia, chama de “snacktones” os produtos dessa cultura, que engloba, por exemplo, desde  músicas  de  dez  a  30  segundos  compostas  especialmente  para  tocar  em  celulares até  minigibis,  filmes  de  ginástica  com  menos  de  dois  minutos  (para  serem  assistidospelo iPod na academia) e versões reduzidas de clássicos do cinema, como “Pulp Fiction” (1994), de Quentin Tarantino.

Música, televisão, jogos, filmes, moda: agora nós devoramos nossa cultura pop da  mesma  maneira  que  nós  apreciamos  os  doces  e  os  chips  –  em  pequenos formatos,   convenientemente   empacotados,   e   feitos   para   serem   facilmente degustados com a máxima freqüência e velocidade. Esta é a cultura snack – e oh boy,  como  ela  é  apetitosa  (para  não  dizer  o  quanto vicia).  […]  Hoje  a  mídia snacking está no nosso dia-a-dia. De manhã lemos as notícias, respondemos e-mails  nos  nossos  computadores  portáteis.  No  trabalho  surfamos  o  dia  inteiro através  de  vídeos  e  blogs.  […]  E  no  meio  tempo,  durante  aqueles  minutos  em que  o  nosso  telefone  portátil  carrega  algumas  chamadas,  entram  em  ação  um jogo  de  30-segundos  no  Nintendo  DS,  um  web-episódio  de  60  segundos  no celular,  um  podcast  de  três  minutos  no  MP3  player. (WIRED  MAGAZINE, mar. 2007, p.126).

A   sede   pelo   entretenimento   instantâneo   é   conseqüência   da   sociedade   de consumo  e  de  sua  fragmentação,  como  já  apresentado no  início  desse  trabalho.  Os produtos  culturais,  como  o  futebol  e  a  música,  por exemplo,  são  feitos  para  serem rapidamente consumidos a fim de que novos sejam produzidos. Por outro lado, a “snack culture”,  no  entender  de  alguns,  permite  ao  internauta  decidir,  pela  proliferação  de opções, onde vai gastar seu tempo.

O  consumidor  tem,  assim,  o  poder  de  decisão  na  mão.   No  caso  do  internauta-torcedor,  é  ele  quem  vai  decidir,  nos  diversos  canais  de  informação  e  entretenimento, onde  vai  investir  sua  atenção.  Os  blogs  que  apresentam  o  futebol  como  tema,  por exemplo,  passam,  cada  vez  mais,  a  ter  seu  conteúdo editado  e  direcionado  pelos internautas-torcedores.  É  nesse  espaço  que  o  cibertorcedor  encontra  fragmentos  de informação, rápido de serem lidos, comentados por vários outros internautas. Por outro lado, o blogueiro, cônscio dos comentários, direciona todo o material que disponibiliza no blog em função dos assuntos preferidos da sua “audiência”.

2. Os Blogs de futebol e a “falação esportiva” 

Os blogs relacionados à cultura do futebol mundial sejam eles desenvolvidos por jornalistas,  torcedores,  clubes  e/ou  curiosos  do  esporte  apresentam  como  principal atração,  além,  é  claro,  das  informações  que  trazem,  a  rica  possibilidade  do  debate  de ideias, entre diversos internautas, sobre o assunto apresentado pelo blogueiro.

Os dois elementos principais que, em nosso entender, caracterizam os blogs com a  temática  futebol  são:  a  importância  que  esses  espaços  dão  à  atuação  da  imprensa especializada  e  a  disputa por levantar informações que possam servir de apoio e/ou ser fonte  da  mídia  especializada.  Características  essas  que  reproduzem  na  blogosfera  do universo  cultural  do  futebol  brasileiro  as  versões impressas  dos  “fanzines”  destinados aos principais clubes da Europa no início dos anos 1990.

Além   disso,   enfraquecidos   pelas   ações,   por   vezes   violentas,   das   torcidas organizadas, os torcedores ditos “comuns” encontraram no blogosfera, e em toda a rede, a possibilidade de associação e as condições para, através do desenvolvimento de ideias nesses  blogs,  elevar  sua  auto-estima  e  reconstruir uma  identidade,  aniquilada  pelos torcedores organizados nas arquibancadas dos principais estádios brasileiros.

A   elevação   dessa   auto-estima   encontra   na   ação   da   imprensa   esportiva especializada  o  seu  principal  alicerce.  O  prestígio  de  um  blog  pode  ser  medido,  para seus freqüentadores e comentadores, pela quantidade de vezes em que o espaço se torna pauta  dos  principais  meios  de  comunicação  que  cobrem  o  futebol.  Ser  notícia  na imprensa, como fonte de informação, rende prestígio ao blogueiro e, consequentemente, ao seu blog. 

Por   outro   lado,   a   relação   de   amor   e   ódio   com   a   imprensa   esportiva   é personificada na constante crítica apresentada pelos blogueiros e, principalmente, pelos internautas-torcedores  que  comentam  as  informações postadas  no  blog.  A  blogosfera potencializa  discussões  acerca  da  atuação  da  imprensa  esportiva,  estendendo  uma tendência que já se mostrava presente nos principais programas esportivos das noites de domingo da televisão brasileira: as “mesas-redondas”.

Essa  tendência  não  só  de  discutir  a  imprensa,  mas  também  de  alimentá-la  com fatos  e  notícias,  marca  características  dos  blogs  de  futebol,  ilustra  o  que  Umberto  Eco denominou na Viagem na Irrealidade Cotidiana, de “a falação esportiva”. Analisando o universo das práticas esportivas, o semioticista italiano afirma que  

(…) se o esporte é praticado para a saúde, como comer comida, o esporte visto é a  mistificação  da  saúde.  Quando  vejo  os  outros  jogarem,  não  estou  fazendo nada de saudável. (…) É claro que quem assiste ao esporte praticado por outrem, ao  assistir,  fica  excitado:  e  grita  e  se  agita,  e  portanto  faz  exercício  físico  e psíquico,  reduz  a  agressividade  e  disciplina  a  coletividade.  Mas  essa  redução não é compensada, como ao praticar esporte, por um aumento de energias, e por uma  aquisição  de  controle  e  domínio  sobre  si:  pois os  atletas  competem  por esporte,  mas  os  voyeurs  competem  a  sério  (tanto  isso  é  verdade  que  depois brigam  ou  morrem  de  enfarte  nas arquibancadas). O elemento de disciplina da competitividade, que no esporte praticado tinha os dois aspectos do aumento e da  perda  da  própria  humanidade,  no  voyeurismo  esportivo  tem  um  só,  o negativo (ECO, 1987, p.223).

Eco denomina a esse aspecto voyeur das atividades esportivas como “esporte ao quadrado”, “sobre o qual já são exercidas especulações e comércios, bolsas e transações, vendas e consumos decorrentes” (IDEM).

Esse  “esporte  ao  quadrado”,  de  Eco,  acaba  por  gerar  o  que  o  escritor  italiano chamou de “esporte ao cubo”, ou seja,

(…) o discurso sobre o esporte enquanto assistido: esse discurso é em primeira instância o da imprensa esportiva, mas engendra por sua vez o discurso sobre a imprensa  esportiva,  e  portanto  um  esporte  elevado  à  enésima  potência.  O discurso  sobre  a  imprensa  esportiva  é  o  discurso sobre discurso na medida em que vê o esporte alheio como discurso. (…) O esporte atual é essencialmente um discurso sobre a imprensa esportiva (ECO, 1987, p.223).

Toda essa “falação esportiva” desempenha, nas análises do semioticista italiano, dois  papéis  fundamentais:  um  político  e  outro  econômico.  Quando  os  cibertorcedores utilizam toda a sua energia intelectual para as ponderações, os argumentos, as “falações” polêmicas, as difamações e os triunfos, neutralizam suas energias físicas, levando, com isso, a competição para o campo “político”.

De fato a falação sobre a falação esportiva tem todas as aparências do discurso político; ali se diz o que os governantes deveriam ter feito, o que fizeram, o que queríamos  que  fizessem,  o  que  aconteceu  e  o  que  acontecerá:  só  que  o  objeto não  é  a  Cidade  (e  os  corredores  do  Palácio  do  Governo),  mas  o  estádio  com seus  bastidores:  tal  falação,  portanto,  aparenta  ser  a  paródia  do  discurso político; mas uma vez que nessa paródia se destemperam e se disciplinam todas as  forças  que  o  cidadão  tinha  para  o  seu  discurso  político.  (…)  O  esporte desempenha o papel de falsa consciência (IBIDEM, p. 225).

Por  outro  lado,  do  ponto  de  vista  econômico,  Umberto  Eco  entende  a  atividade esportiva como dominada (…)

pela  ideia  de  ‘desperdício’.  Em  princípio,  todo  gesto  esportivo  é  um desperdício de energia. (…) Esse desperdício (…) é profundamente saudável. É o desperdício  próprio  do  jogo.  E  o  homem,  como  todo  animal,  tem  necessidade física e psíquica de jogar. Há então um desperdício lúdico ao qual não podemos renunciar:   exercê-lo   significa  ser  livre  e  livrar-se  da  tirania  do  trabalho indispensável.   (…)   Surgida   como   elevação   à   enésima   potência   daquele desperdício inicial (e calculado) que era o jogo esportivo, a falação esportiva é a magnificação do Desperdício e por isso o ponto máximo de consumo. Sobre ela e nela o homem da civilização de consumo consome diretamente a si próprio (e a  toda  possibilidade  de  tematizar  e  julgar  o  consumo  decorrente  ao  qual  é convidado e submetido) (IBIDEM, p. 221-226).

Constituído,  em  geral,  por  indivíduos  originários, em  sua  maioria,  das  classes operárias,  que,  em  sua  trajetória  pessoal  tiveram  a  possibilidade  e  a  oportunidade  de freqüentar  uma  universidade,  os  gestores  e  usuários  desses  blogs  encontram  nesse espaço  oferecido  pela  rede  mundial  de  computadores a  possibilidade  de,  através  da discussão  do  esporte,  produzir  cultura.  Cultura  para  consumo  efêmero  e  imediato. “Sanck Culture”.

3. Considerações finais

O  debate  de  idéias,  a  possibilidade  de  discutir  o  tema,  de  comentar  a  atuação desse ou daquele jogador, dessa ou daquela equipe, é a mola-mestra que movimenta os acessos aos blogs temáticos envolvendo o futebol e toda a sua cultura.

O caráter comunitário sempre esteve presente na cultura do futebol brasileiro. A presença dos meios de comunicação na mediação entre o esporte e as comunidades que o  cercam  também  não  representa  uma  novidade  das  tecnologias  digitais.  Assim,  os novos veículos de comunicação, como a Internet, por exemplo, apenas vão potencializar –  e  dar  algumas  outras  características  novas  –  a  uma  relação  que  sempre  existiu:  a  do torcedor com o futebol.

Embora os espaços destinados ao debate sejam menos visíveis, laterais ao grande espaço  dos  textos  do  blogueiro,  o  blog  permite  ao  seu  criador  e  aos  internautas  criar novas  trilhas,  criar  novos  nós  e  links.  Trata-se  de  uma  ação  coletiva  que,  no  universo cultural  do  futebol,  permite  ao  indivíduo  expor  suas  idéias  e  opiniões,  impossíveis  de serem  manifestadas  nas  arquibancadas  dos  principais  estádios  do  esporte no Brasil, em razão da violência das torcidas organizadas.

Constitue-se,  assim,  verdadeiras  comunidades  virtuais  de  internautas  torcedores interessados  em  debater  os  fatos  do  esporte,  provocados  pelo  material  postado  pelo blogueiro.  Em  geral,  as  discussões  reproduzem  o  conceito  de  “falação  esportiva” presente  na  obra  de  Umberto  Eco,  representando  o  desperdício  do  ponto  de  vista econômico.   Desperdício   representado,   na   cultura   contemporânea,   por   pílulas   de informação e ideias, pedaços característicos da “snack culture”, o que joga o futebol nas entranhas   da   moderna   indústria   do   entretenimento.   Internauta   torcedor,   torcedor consumidor.

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