Esporte telespetáculo e sensibilidade: reflexões sobre o telespectador perante o esporte televisionado

Allyson Carvalho de Araújo1

RESUMO

 O presente texto tem por intenção subsidiar reflexões acerca do telespetáculo esportivo, tendo como referência os estudos do esporte inserido na mídia. Busca-se dar visibilidade ao telespectador como agente integrante da relação comunicativa estabelecida na veiculação do telespetáculo esportivo, através de uma leitura estética do fenômeno, bem como indicar os modos de recepção das diferentes vertentes de beleza presente no esporte para problematizar a compreensão do fenômeno esportivo hodierno.

 PALAVRAS-CHAVE: Esporte; telespetáculo esportivo; televisão; estética. Articulando conceitos: esporte, televisão e estética

As inquietações pertencentes ao cenário do esportivo televisionado constituem o cerne das reflexões propostas neste momento. Nós inscrevemo-nos nessa emergência com intuito de contribuir com o transito das impressões/ percepções das diferentes realidades esportivas possíveis de serem vivenciadas, quebrando um hiato entre os estudos sobre a percepção e transmissão televisiva no que diz respeito ao esporte.

Partimos da compreensão que a paisagem de apreciação do fenômeno esportivo foi fortemente potencializada na medida em que a prática esportiva transitou pela trama social de tal modo que acabou por receber a designação de espetáculo e, portanto, compreendemos que o esporte passa a ser visto também a partir de vários elementos estéticos capazes de proporcionar uma experiência diferenciada e singular (LOVISOLO, 1997).

Sendo o esporte um produto da cultura, o que entendemos hoje como esporte espetáculo advém de um contexto social mais amplo em que a estetização e a espetacularização das manifestações culturais podem ser pensadas como fenômenos contemporâneos que merecem maior destaque.

Tendo o esporte como elemento para discussão, observamos que a veiculação de imagens esportivas pelos meios de comunicação de forma espetacularizada se constitui uma das possibilidades de vivência estética na contemporaneidade. Neste sentido, Betti (1998), ao problematizar a televisão e suas implicações para a vida cotidiana, considera que o aparato televisivo tem o poder de persuadir o sujeito a compreensões homogêneas sobre diversos temas atuais. Em suas palavras:

 Como fenômeno sociológico, todavia, a televisão é capaz de criar gostos e propensões, necessidades e tendências, esquemas de reação e modalidades de apreciação, que acabam por tornarem-se determinantes para a cultura, até mesmo no terreno estético (BETTI, 1998, p. 43).

No campo do esporte, as inquietações sobre o assunto tiveram maior destaque mais recentemente. Sobre tudo quando a Revista Brasileira de Ciências do Esporte buscou revisitar a temática da mídia e esportes no ano de 2005. O conjunto dos trabalhos demonstrou uma preocupação com o fazer pedagógico da Educação Física frente aos aparatos da mídia atual. Destacamos, nesse investimento, trabalhos como o de Oliveira & Pires (2005) ao tematizar a utilização de tecnologias de geração de imagens como forma de discutir as relações existentes entre a cultura de movimento e o discurso dos meios de comunicação de massa com alunos do ensino fundamental; bem como a proposta de intervenção pedagógica indicada por Batista & Betti (2005) ao se preocupar com a educação crítica para a linguagem audiovisual, também tendo como público alvo os alunos do ensino fundamental.

 Abarcado o telespetáculo esportivo, de um modo geral, na tematização das discussões acadêmicas na área da Educação Física & Esporte, uma das possíveis lacunas que se registra é a negligência de uma leitura estética nessa nova formulação do esporte. Essa constatação foi expressa pelo Prof. Dr. Valter Bracht, em fala na mesa redonda2 pertencente a programação do GTT de Mídia e Comunicação dentro do XIV CONBRACE, no ano de 2005.

O autor, em sua fala, ao apresentar os pontos consensuais no corpo de trabalhos construídos na temática que entrelaçava mídia e esporte pelo GTT de Mídia e Comunicação, enfocou o entendimento da importância da mídia na cultura contemporânea, bem como a especificidade de características audiovisuais com a qual trabalha a televisão.

 Ainda em suas reflexões, Valter Bracht explicitou a inquietude do pensar para além do formato televisivo e sua intencionalidade de transmissão, deslocando o foco da discussão para os aspectos estéticos presentes na transmissão, considerando, desse modo, o telespectador e a produção midiática como elementos de uma experiência estética em evidência na atualidade que possibilita a propensão de gostos e compreensões de mundo.

Verifica-se que o foco e atenção esteve historicamente na identificação de uma estética objetivista, centrada em um modelo de beleza veiculado pela mídia televisiva. No entanto, hoje é possível trabalhar com a concepção de estética fenomenológica, pautando-se no imbricamento fundamental existente entre o sujeito (telespectador) e o objeto (telespetáculo esportivo) na experiência estética. Ancorados na compreensão que toda a relação corpo – mundo é estesiológica (MERLEAU-PONTY, 1999), buscamos elementos para pensar esta relação também na realidade virtual do telespetáculo esportivo. Possibilitando assim o resgate da sensibilidade do telespectador e dando visibilidade às formas de percepção que o corpo oferta ao sujeito que aprecia o telespetáculo esportivo.

É nesse sentido que nos inscrevemos nessa emergência, apostando na relação entre o telespetáculo esportivo e o sujeito telespectador a partir de uma perspectiva estética como forma de refletir sobre o esporte da cultura contemporânea.

O envolvimento do telespectador com o evento esportivo

telemediado: notas sobre o sentido de pertencimento

Para aquele que se propõe colocar-se perante a televisão para assistir ao esporte, em sua edição espetacularizada, já não é possível perceber-se indiferente ao seu olhar mostra. Dada a velocidade de lances e ao emaranhado de apelos a cada momento, o telespectador envolve-se ao ponto de não perceber-se observando o telespetáculo, mas participando, assumindo-se cúmplice na relação estabelecida. Nesse momento, não há mais a segregação do objeto observado (telespetáculo esportivo) e do observador (telespectador); há, pois, um momento estésico, um arrebatamento sensível do sujeito.

Merleau-Ponty (2002), ao refletir sobre a linguagem, já apontava a existência de um momento de entrelaçamento entre o sujeito e o objeto ao qual este se debruça. Usando o exemplo da leitura, Merleau-Ponty relata:

À medida que sou cativado por um livro, não vejo mais as letras na página, não sei mais quando virei a página; através de todos esses sinais, de todas essas folhas, viso e atinjo sempre o mesmo acontecimento, a mesma aventura, a ponto de não mais saber sob que ângulo, em qual perspectiva me foram oferecidos… (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 31).

Observa-se que, de modo semelhante, ocorre com o sujeito perante a televisão. O agregamento de linguagens possíveis no aparato televisivo envolve o sujeito, ofertando-o uma gama de elementos sedutores aos quais o telespectador não consegue permanecer indiferente. Este é, ou nosso ver, o caso do telespetáculo esportivo.

Nesse contexto de sedução de imagens esportivas, o telespectador, cada vez mais vive a experiência prazerosa de observar e pertencer ao conteúdo transmitido. Ele excita-se e emociona-se pela apreciação, posicionando-se como um voyeur3 esportivo. Como diria Debord (1997, p. 13), ao situar o espetáculo, “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.

Este movimento de representação desdobra-se na cultura contemporânea por gerar uma significação diferenciada na construção cultural, inaugurando um novo imaginário social sobre o objeto de interesse, no caso o esporte. É necessário, no entanto, uma identificação entre o sujeito e o objeto, como forma de o telespectador compreender-se pertencido àquele instante e reconhecer-se ao olhar o telespetáculo.

De sorte que o vidente, estando preso no que se vê, continua a ver-se a si mesmo: há um narcisismo fundamental de toda visão; daí porque, também ele sofre, por parte das coisas, a uma visão, por eles exercida sobre elas; daí, como disseram muitos pintores, o sentir-me olhado pelas coisas, daí, minha atividade ser identicamente passividade – o que constitui o sentido segundo o mais profundo do narcisismo: não ver de fora, como os outros veem, o contorno de um corpo habitado, mas sobretudo ser visto por ele, existir nele, emigrar para ele, ser seduzido, captado, alienado pelo fantasma, de sorte que vidente e visível se mutuem reciprocamente, e não mais se saiba quem vê e quem é visto (MERLEAU- PONTY, 2005, P. 135)

No imbricamento fundamental formula-se, contudo, uma aproximação gradativa que encanta o telespectador para o enlace sensível em vários momentos da vida cotidiana, e em especial, para fins de nosso diálogo, com o evento esportivo televisionado. Assim, o envolvimento sensibiliza o sujeito/telespectador por apelos estéticos que, articulados no imbricamento da linguagem audiovisual, aderem ao imaginário social como retificação e/ou ampliação da compreensão do fenômeno esportivo. Entretanto, no contexto televisivo, o que é mostrado para representar o esporte é apenas uma das inúmeras possibilidades de captar sua imagem. Portanto, o esporte veiculado pela televisão é “objeto duplamente oculto, já que ninguém o vê em sua totalidade e ninguém vê que ele não é visto, podendo cada telespectador ter a ilusão de ver o espetáculo olímpico em sua verdade” (BOURDIEU, 1997, p. 123).

Como se pontua, existe um quiasma entre o que se vê e o que se pode ver diante de uma imagem. Um poder ir além do que se visualiza é que a imagem incita, esse “ir além” talvez se constitua como outras formas de compreender o fenômeno que se observa, uma forma de instigar as formas de conhecer que as imagens possuem e que nem sempre são exploradas.

 Ocorre, pois, como descrito no sentido de pertencimento suscitado pela construção imagética da televisão, uma possível anestesia perante o telespetáculo. Talvez seja essa a intenção de veiculação do esporte ao primar pela rapidez de imagens, pelo acúmulo de informação e pela edição de imagens. Ao sujeito é apresentado um escopo esportivo mediatizado por um aporte comunicacional televisivo que se pretende espetacular ao referir-se ao fenômeno esportivo e seu modo de apresentação.

Por outro lado, também é possível pensar uma estesia perante o telespetáculo esportivo, ainda no sentido de pertencimento. E, para o cenário social cabe pensar como essa construção espetacular do esporte televisionado, ao provocar êxtase em seus telespectadores, pode inebriar a reflexão sobre o esporte. E, desse ponto desdobram-se questões: os telespectadores, ao apreciarem o telespetáculo esportivo conseguem distinguir sua especificidade enquanto realidade espetacularizada do esporte? Não seria essa uma construção de um esporte idealista e produtivo, belo e perfeito, incitada pela mediação televisiva que, ao encantar o telespectador, faz com que o sujeito não reflita para as verdadeiras intenções de mostrar esse esporte espetacular? O esporte dialoga exclusivamente com uma compreensão da beleza clássica? Existiram outras categorias estéticas que permeiam o telespetáculo esportivo que inebria compreensão atual de esporte?

Faz-se necessário retomar esta discussão em âmbito social para problematizar o sentimento de pertencimento na relação do sujeito com telespetáculo esportivo destacando a diferenciação entre o esporte vivenciado (real) e o esporte telemediado (virtual); duas realidades que podem e devem dialogar a fins de constituir uma compreensão atual do esporte, mas que não devem se sobrepor uma a outra.

A consideração, diferenciação e problematização dessas realidades se fazem necessárias no cenário atual para que não admitamos o consumo passivo de imagens esportivas, sem refleti-las. Esse trato demanda o entendimento das contribuições positivas e negativas da faceta virtualizada do esporte. Nesse sentido Feres Neto (2001) nos diz:

Se por um lado entendo, junto com Lévy e Guattari, que a virtualização concorre para a criação da realidade, por outro é preciso notar que este movimento generalizado também apresenta um paradoxo importante a ser analisado aqui, justamente a partir deste seu potencial criador. Trata-se de uma certa tendência à homogeneização, à equivalência, à medida que as coisas se tornam padronizáveis, intercambiáveis, decorrência das diversas opções de experiência abrem principalmente pelas novas tecnologias de comunicação […] não paramos de nos espantar com novidades todos os dias, seja no campo das novas tecnologias, seja na produção de novos comportamentos (FERES NETO, 2001, p. 77).

É neste sentido que desejamos ainda que apreciação do telespetáculo esportivo não seja apenas analítica, que não busque apenas esquadrinhar os elementos audiovisuais ou quantificar o tempo de transmissão, mas que busque, na sensibilidade do apreciador, indicadores para uma problematização desta face do esporte contemporâneo. Pois, igualmente aberto às experiências, tal como o corpo, o esportivo abre-se ao olhar sensível do telespectador… É necessário deleitar-se e inquietar-se… Apreciar e comover-se, questionar e refletir.

O nosso olhar sobre os modelos de beleza e gestualidade

nos esportes: primeiras impressões

A capacidade de visão possível a partir do mecanismo ocular humano evidencia uma das capacidades de alcance do corpo para o horizonte que o cerca. No entanto, para além das operações motoras, ópticas e químicas necessárias para a captação da imagem por nosso aparato corporal, pensamos que exista uma reciprocidade de nosso olhar humano com o mundo que o cerca. Essa relação, estabelecida através da visão, possibilita o lançamento do sujeito em exploração ao mundo; às vezes proporcionando estranheza, outras vezes, bem querer, alegria, comoção, curiosidade, afeto… O que se pode dizer é que o olhar nos proporciona, sempre, novas formas de observar o que é demasiado visto, e assim (re) conhecer o mundo para novamente se encantar.

O olhar que pensamos, como elemento que nos faz habitar o mundo, não é aquele que analisa formas e medidas quantitativamente, tratando de cores e geometrias para convencer-se do conhecimento do objeto como projetou Descartes (BOSI, 1990). O entendimento do olhar aqui tratado procura considerá-lo como uma atitude intencional de conhecimento, um ato de busca instigado por nossas propensões e afinidades.

O olhar, em exercício reflexivo pode caminhar articulando a sensibilidade do telespectador, a partir de nossas experiências, e os mecanismos de construção de imagem do telespetáculo esportivo, buscando indicativos para construir uma nova compreensão de esporte.

Nas transmissões do telespetáculo esportivos, no tocante à imagem direcionada aos jogadores, o close nos personagens em jogo é colocado sobre os protagonistas, ou seja, nos possuidores/ articuladores da bola enquanto elemento de fetiche e representante do poder de ação em jogo.

Aí se estabelece uma nova possibilidade de concepção de beleza atrelada ao esporte que, mesmo ainda voltada ao ideal clássico de beleza baseado na perfeição, abre perspectivas de ação deslocando a busca da perfeição do gesto técnico para a sua eficiência.

Pensemos… Se por um lado o deslocamento do foco da perfeição técnica para a eficiência do gesto demanda um aprimoramento das formas de instrumentalização do corpo, por outro, esse mesmo deslocamento oportuniza o surgimento de novas formas de ação, de criação de movimentos, para além da técnica perfeita, o que, dentro da especificidade do jogo, evidencia a plasticidade corporal e sua capacidade criativa.

Em nossa apreciação, percebemos que o atleta é ovacionado pela conquista do ponto e não por seu perfeito desempenho técnico. Nesse sentido Welsch (2001) nos fala que

A perfeição estética não é incidental para o sucesso esportivo, mas intrínseca. O que é decisivo para o sucesso esportivo é a perfeita performance. É esse fator sobre todos os outros, que é esteticamente apreciado no esporte […] No esporte o estético e o funcional andam de mãos dadas (WELSCH, 2001, p. 144).

Em especial, o jogador que efetiva o ponto, torna-se centro do foco das câmeras em cenas que mesclam sua imagem de comemoração com o “replay” de sua ação. Não raro, as formas de visualização se multiplicam perante o telespectador que tem a oportunidade de rever a jogada inúmeras vezes sob diversos ângulos. Essa ação enaltece a ação do jogador. Cria-se para nós um sentimento de admiração, incitando-se a criação de um novo ídolo a cada instante. Cada novo ponto é momento de enaltecer personagens diferentes, fazendo com que na mesma velocidade das imagens caminhe nossa fugaz idolatria.

Ao longo da apreciação do telespetáculo esportivo, a impressão, aos nossos olhos, é de que os modelos de atletas se confundem com os modelos das técnicas esportivas mostradas ao longo da transmissão. Nesse sentido, é importante chamar a atenção para a possibilidade de utilização do corpo para além das ações comumente solicitadas e as vivências estéticas desencadeadas nos seus telespectadores; o que nos remete novamente ao termo estesia. Concebemos ser necessário e oportuno pensarmos na relação entre o telespetáculo esportivo e seus telespectadores, considerando os atletas de alto desenvolvimento técnico que, ao executarem suas performances corporais, criam em seus espectadores um sentimento dúbio de êxtase e aflição. As sensações provocadas pelo esporte espetáculo são fortemente potencializadas pelos meios de comunicação ao transmitirem, através de inúmeras estratégias, formas espetaculares de apreciação estética.

Sob outra ótica, se pensarmos os fatores estéticos na perspectiva do jogador, percebemos que a relação entre o sujeito e o objeto, da qual emerge a experiência estética, também ocorre de forma evidente. Os jogadores são, ao mesmo tempo, criadores e apreciadores dos gestos. Criadores, na medida em que dão vida aos gestos e apreciadores, no momento em que percebem que sua atuação é significativa, em relação aos outros, para a concretização da jogada. Cria-se também, na apreciação de um evento esportivo, uma comunicabilidade que, entre os jogadores e os telespectadores de um modo geral, ocorre uma comunhão de sentimentos, intenções e sensações. Segundo Soares (2004, p. 01) isso ocorre porque “a força contida no gesto põe em jogo todos os sentidos daquele que o executa e, também daquele que observa essa gestualidade. É como se a profusão de códigos e sentidos ali demonstrados tivesse uma força de persuasão impossível para a palavra”.

Talvez seja essa uma das formas de pensar a cumplicidade existente no relacionamento do telespectador com o telespetáculo esportivo. Na verdade, a manifestação esportiva e suas consequentes impressões só se caracterizam inteiramente mediante os agentes/ jogadores, suas performances e, principalmente, pelo evento em relação aos espectadores.

O que caracteriza a estética do jogo é “o elemento adicional da performance, que revela todos os tipos de habilidades pessoais, a interpretação individual e a abertura para o evento que eles criam (enquanto é criado) ” (WELSCH, 2001, p. 153).

Na perspectiva espetacular, um elemento que se torna fundamental para discussão é a utilização da técnica em jogo. Pensamos na importância desse elemento por ser ele o desencadeador das sensações tanto para quem joga quanto para quem aprecia. Nesse ponto, podemos fazer um paralelo com o que Marcel Mauss (1974) chama de classificação das técnicas corporais4 em relação ao rendimento. Para o autor “[…] as técnicas corporais podem classificar-se em relação a seu rendimento, em relação aos resultados do treinamento” (MAUSS, 1974, p. 220). Nesse sentido, para o esporte, o que causa estesia, o que é belo, é também o que incita maior rendimento e destreza corporal, numa forma de sensibilizar o espectador a partir do espetáculo corporal. Seria esta uma compreensão estética dentro do esporte? Existiram outras?

É necessário observar que para este mesmo autor também é necessário refletir o habitus que envolve a o contexto de aplicação da técnica. Neste sentido, a técnica, ou o uso dos corpos, pode variar conforme a época e o contexto no qual se insere, constituindo um habitus, o que influi, inclusive, na concepção de perfeição e beleza dos gestos técnicos. Seria este o caminho para a mudança de compreensão do próprio conceito de esporte?

Por intuição, pensamos que a maior habilidade torna-se equivalente ao maior êxtase provocado, como ocorre na estesia de uma vitória. Desse modo, o produto espetacular no mundo esportivo se justifica pelo viés da vitória, mas não se restringe a ela, como comenta Welsch:

O ponto principal, entretanto, é que, no esporte, o objetivo de ganhar não pode se realizar diretamente, mas somente através da performance esportiva. É a superioridade da performance esportiva de alguém que produz a vitória. Assim a própria obra do atleta é, neste caso, a sua performance, que talvez resulte numa vitória (WELSCH, 2001, p. 151-152).

Nesse contexto, é possível perceber que o sentido maior do espetáculo esportivo, seja ele televisionado ou não, não passa necessariamente pela disputa do jogo, mas também pelo jogo de interesses de mercado que dele se utiliza.

No esporte existe uma representação simbólica de disputa constante de poder. Neste sentido, o espetáculo é pensado como um evento que

Possui uma natureza quente, procura impactar nossas emoções, sentimentos e sensibilidade, fazendo-nos rir, chorar ou exaltar. Um bom espetáculo deve aumentar nossa carga emotiva, faz crescer nossas emoções e, no final, permitir sua descarga, embora ao longo do mesmo existam descargas parciais da emotividade. Um espetáculo que não nos comove deixa de sê-lo e torna-se sem graça, contra nossos gostos, contra aquilo que esperamos que proporcione (LOVISOLO, 1997, p. 83).

Nesse cenário telespetacular do esporte, geralmente promovido pela divulgação midiática, até o trágico sacrifício humano (MELO, 2003) no esporte rendimento tem conotação de algo belo. É o que Soares (2002) chama de estetização do sacrifício, referindo-se aos excessos corporais proporcionados, ocultando dor e reprimindo a expressão de seu corpo, em severos treinamentos para a perfeição técnica. Por outro lado, os atos imperfeitos, feios ou incorretos podem assumir o status de belo no esporte por meio de sua eficácia, sua performance. Por outro lado, a transgressão do gesto técnico oportuniza novas apreciações estéticas que diferem da tradicionalidade da perfeição técnica.

É com base nos argumentos expostos, trabalhados sob a lógica dos modelos de beleza corporal e técnica, que apontamos a intensidade de sensações provocadas pelo esporte e potencializadas pelo esporte enquanto espetáculo, caracterizando a estesia no sujeito.

Considerações possíveis:

Ao nos remetermos a essa relação de atividade recíproca estabelecida entre o telespectador e o que lhe é mostrado, pensamos que a proposição da atividade condicionante predicada à televisão é apenas um reflexo de sua engrenagem particular que se utiliza da imagem; esta imagem que almeja sua universalidade mesmo trabalhando a partir de suas particularidades (AUMONT, 1993).

Desse modo é perceptível que, mesmo trabalhando sob a lógica dos modelos, a transmissão televisiva não opera de maneira tão imperiosa perante seus telespectadores. Ela trabalha com módulos que indicam padrões de comportamentos, gostos e desejos, ou seja, tem na experiência estética do telespectador/ um ponto imprescindível para veicular valores e pensamentos que lhes são necessários. Entretanto, o telespectador pode apresentar-se como sujeito ativo no processo recíproco de comunicação; perante ele é possível pensar nos modelos como propostas operativas. Dito isto, cabe ressaltar que atualmente exige-se um olhar sensível à transmissão televisiva, e que essa possibilidade de aguçarmos esse nosso olhar é a proposição de uma educação estética que forneça bases para essa leitura crítica.

O esporte tem atualmente uma polissemia de significados pela vasta gama de predicados que lhe é proposto. Aplicado aos apelos estéticos, ele configura uma nova construção cultural alimentada pela mídia. O debate estético agrega-se a discussão conceitual ao esporte para formular uma agenda de pesquisa que priorize a compreensão da manifestação do fenômeno esportivo, pelas categorias estéticas que o permeia atualmente.

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1- Docente da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Aluno de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação m Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco – PPGCOM /UFPE. Contato: [email protected].

2-Texto não disponível nos anais do evento. As considerações aqui colocadas apresentam-se como síntese a partir de nossa participação no referido evento.

3- Termo de origem francesa que é largamente difundido para referendar-se ao sujeito que obtém prazer pelo ato e observar, geralmente voltado para o caráter sexual.

4- Termo caracterizado por Marcel Mauss (1994) como sendo as formas como as pessoas fazem uso de seus corpos.

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