Fundamentação teórica
Allan Ferreira Santana
O futebol se tornou o esporte mais popular do mundo. A modalidade que está em todos os cantos do planeta, e é capaz de unir cidadãos das mais diferentes raças, crenças e origens, nem sempre foi assim. Quando Charles Miller retorna da Inglaterra, em 1894, com uma bola em sua bagagem, enfrentou resistência até mesmo para conseguir apresentar o esporte para conhecidos, que consideravam um mero estrangeirismo passageiro.
No início do século XX, a prática futebolística no Brasil ainda estava restrita à elite, com disputas em clubes fechados, que serviam como lazer de famílias mais abastadas. Com o passar dos anos, como ressalta Aspis (2016), a prática caiu no gosto dos trabalhadores, que usavam, na falta da bola de couro, bexigas de boi ou bolas de pano para se divertirem em terrenos baldios. O desenvolvimento do futebol no país se deu a partir de diversos fatores, como a existência de um campeonato com direito a taça, o intenso intercâmbio entre clubes brasileiros e equipes estrangeiras e a ascensão dos pobres e negros. Ainda segundo o autor, um dos grandes marcos que apressaram a profissionalização do esporte no Brasil foi quando clubes do exterior recrutaram os principais jogadores.
Os clubes, prejudicados pela pirataria, passaram a se preocupar com este problema. Reuniram-se a fim de estudar uma fórmula que abortasse o êxodo de nossas maiores estrelas. A solução encontrada foi decidir-se pela profissionalização dos atletas. Os clubes passariam a pagar salário regular aos craques, e estes, em contrapartida, ficariam presos às entidades por meio do passe. Mudança de time? Só se aprovada pela agremiação de origem, e mediante retribuição financeira (ASPIS, 2016, p.69).
A relação entre futebol e jornalismo é antiga. Teve início no Brasil por volta da década de 1920, com a implantação do rádio. E a dobradinha foi um sucesso. Como poucos podiam comprar os aparelhos receptores, as emissoras tentavam se tornar mais populares, instalando até altos falantes em locais públicos, reunindo um grande número de ouvintes. Em 1932, um decreto do governo autorizou a veiculação de publicidade no rádio, a qual reformulou a programação, que passou a apostar fortemente nas transmissões esportivas para atrair anunciantes. A narrativa radiofônica conquistou o torcedor, que se mantém firme mesmo com o surgimento da televisão e outras mídias. Schinner (2004) é um dos nomes que estuda as transformações na trajetória do jornalismo esportivo, com foco no rádio e na tv.
O avanço não foi somente em tecnologia, mas também nos formatos de cobertura, Unzelte (2009) recorda da sua experiência enquanto jornalista da revista Placar quando da elaboração do Guia 2009 da Libertadores, em que trabalhou 80% do tempo em sua casa, com auxílio do advento dos computadores, se deslocando somente para reuniões pontuais. O autor destaca que novos modelos surgiram com o disseminação do esporte, como as funções de especialista nas táticas do jogo, comentarista de arbitragem, memória esportiva e em notícias diárias, as chamadas hard news. Dentre as transformações do jornalismo esportivo, podemos citar a cobertura dos chamados eSports (esportes eletrônicos), mercado que tem movimentado bilhões de reais e despertou interesse em clubes do Brasil e do exterior, como Flamengo e Corinthians, que possuem equipes disputando jogos eletrônicos. O Grupo Globo tem acompanhado de perto esta expansão, que segundo levantamento da StreamMetrics [1], apresentou no Brasil, um crescimento de 20% de audiência em 2019 em relação ao ano anterior. Desde 2017, o canal esportivo de tv fechada Sportv exibe competições nacionais e internacionais de jogos como League of Legends, Counter-Striker, Pro Evolution Soccer e Free Fire. Em entrevista ao Notícias da TV, do portal Uol, Leandro Valentim, diretor de eSports e games da Globo, confirmou a intenção de aumentar a cobertura. Apesar da relevância que o segmento tem alcançado recentemente, a presença da da cultura game na sociedade contemporânea já vinha sendo observada por Américo (2014), que analisou as implicações no sistema midiático em artigo produzido para a revista Estudos em Jornalismo e Mídia.
Em decorrência da pandemia de coronavírus, que teve seu primeiro caso registrado no Brasil em 26 de fevereiro, às transformações se intensificaram. Em 17 de março, o Ministério da Saúde confirmou a primeira morte por coronavírus no país. A suspensão dos jogos de futebol no Brasil foi sendo anunciada pouco a pouco. Sem as competições, os jornalistas esportivos foram desafiados a pensar novos conteúdos para analisar, uma vez que antes, debatiam semanalmente sobre os jogos, escalações, atuação de jogadores, desfalques e sequência de jogos. Dentre os canais que promoveram mudanças em sua grade de programação devido às restrições da pandemia, mas também com o intuito de preservar a saúde e a segurança de seus colaboradores, estão a Espn Brasil e o Sportv. Pautas e formatos que antes eram ignorados passaram a fazer parte dos programas. Jogos históricos, perfis, entrevistas e longas reportagens voltaram a figurar nos veículos, com a exibição de histórias que possivelmente seriam ignoradas numa rotina sem pandemia.
Referências
AMÉRICO, Marcos. O jornalismo esportivo transmídia no ecossistema dos esportes eletrônicos (E-Sports). Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 11, n. 2, p. 316-327, 2014.
ASPIS, Abrão. Futebol brasileiro: do início amador à paixão popular. Porto Alegre: Evangraf, 2006.
MAGATTI, Ricardo. Com olhar estratégico, Globo lucra com eSports e planeja aumentar cobertura. Notícias da Tv – Portal Uol, 23 de ago. de 2020. Disponível em: <https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/mercado/com-olhar-estrategico-globo-lucra-com-esportes-eletronicos-e-planeja-aumentar-cobertura-41280>
SCHINNER, C. F. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda Books, 2004.
UNZELTE, Celso. Jornalismo Esportivo: relatos de uma paixão, v.4. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] startup focada na medição de dados de audiência nos esports. NESELLO, Tiago. StreamMetrics lança ferramenta para medição de audiência. Business2Game, 01 de ago. de 2019. Disponível em <https://b2game.com.br/streammetrics/>. Acesso em: 11 de nov. de 2020.