Copa de 1954: Na Suíça, Brasil renovado, mas sem vivência internacional

Zezé Moreira substitui Flávio Costa, seleção sucumbe diante da Hungria de Puskas e Alemanha de Fritz Walter vence a final no ‘Milagre de Berna’ Não foi somente a troca da camisa branca pela amarela que distinguiu a seleção brasileira de 1950 da que participou da quinta Copa do Mundo, em 1954, na Suíça. Se num ponto – a falta de informação sobre quase tudo – elas se pareciam, a primeira sabia, pelo menos, que tipo de adversário iria enfrentar na decisão. Os uruguaios eram velhos conhecidos dos brasileiros, as duas seleções já tinham se cruzado 30 vezes antes, em amistosos, na Copa Rio Branco e em Campeonatos Sul-Americanos. Portanto, a derrota não ocorrera por não se saber quem estava do outro lado. Já em 1954, quem no Brasil já vira jogar a seleção húngara de Puskas, Kocsis e Hidegkuti, campeã olímpica de 1952?

Não que este capítulo deva começar pelo fim, isto é, com o “por quê” que sempre se exige nos insucessos do futebol brasileiro. Mas realmente a experiência de dirigentes, treinadores e mesmo jogadores em relação à primeira Copa do Mundo que se realizaria na Europa, depois da Segunda Guerra, era quase nenhuma. As excursões de clubes brasileiros não eram tão frequentes quanto se tornariam depois de 1958. E, mesmo quando aconteciam, pouca oportunidade ofereciam para observações, análises, estudos dos adversários, com jogos disputados entre viagens apressadas entre uma cidade e outra. Seleção brasileira? Só tinha ido à Europa para as Copas do Mundo de 1934 e 1938. Sem os recursos de hoje (televisionamento ao vivo, videoteipes, dados computadorizados), o treinador daqueles tempos, interessado em saber o que se passava no futebol europeu, tinha de ir ver para crer.

Era justamente o caso de Alfredo Moreira Jr., Zezé Moreira, que substituiu Flávio Costa à frente da seleção brasileira. Zezé pouco viajara com o Botafogo ou o Fluminense, seus clubes até então. Seu conhecimento de futebol tinha a mesma base de seus colegas de profissão no Brasil: a experiência vivida como jogador e, depois, treinador de equipes de clubes, nunca de seleção. Mas levava uma vantagem sobre Flávio Costa: a mente mais aberta para as inovações táticas que iam acontecendo. Também ele tivera contato com Dori Kruschner, quando este trocara o Flamengo de Flávio Costa pelo seu Botafogo. Aprendera com o húngaro os fundamentos do WM e os adaptou, com êxito, ao individualismo do jogador brasileiro. Por causa desse individualismo – consequência da excepcionalidade técnica de jogadores como Zizinho, Ademir e Jair, o trio atacante de 1950, e seus sucessores, Julinho Botelho e Didi, dois nomes certos para 1954 – era confesso inimigo da marcação por homem que Flávio utilizara contra os uruguaios. Escolhido para dirigir a seleção brasileira pelo seu sucesso no Fluminense (cujo “timinho”, assim denominado pela quantidade de jogadores medianos entre seus titulares, sagrara-se campeão carioca em 1951), Zezé Moreira foi, de inicio, mal compreendido. Confundiram sua “marcação por zona” com defensivismo, quando, na verdade, as limitações do time do Fluminense é que lhe deram tal aparência.

Essas considerações táticas, no entanto, não interferiram na escolha feita pela CBD, ainda presidida por Rivadávia Corrêa Meyer (durante a Copa do Mundo de 1950, por motivo de doença, fora interinamente substituído por Mário Polo). Uma escolha, antes de tudo, pensada. Depois da derrota de 1950, a seleção brasileira ficou 20 meses inativa, como se convalescendo. Nesse período, nada de amistosos, torneios continentais, copas com uruguaios, argentinos, paraguaios ou chilenos. A representação nacional só voltou a campo em abril de 1952 para a estreia no primeiro Campeonato Pan-Americano organizado pelo Chile. Seu treinador, o homem que levara o “timinho” tricolor ao título carioca.

Dos convocados por Zezé, poucos tinham estado entre os 22 de 1950. Dos titulares de dois anos antes, somente Ademir Menezes, Bauer, Friaça e Bigode. Dos reservas, Castilho, Ely do Amparo, Baltazar, Rodrigues e Nílton Santos. Ao justificar as ausências de Zizinho e Jair, o novo treinador cometeu seu primeiro erro: atribuir a eles o mesmo individualismo que, em sua opinião, era um dos maiores trunfos do futebol brasileiro. Como tudo está bem quando acaba bem – e o Brasil conquistou naquele Pan-Americano seu primeiro título no exterior – Zezé Moreira tinha a preferência da CBD para ir à Suíça.

Entre os dois campeonatos, o Pan-Americano e a Copa do Mundo, houve conturbado parêntese: o Campeonato Sul-Americano de 1953, em Lima. Nele, outro erro de Zezé: alegando problemas profissionais que o impediam de ausentar-se do Rio, ele indicou para substituí-lo um de seus irmãos treinadores, Aimoré Moreira. A perda do título para o Paraguai foi o menos grave. Aimoré desmontou toda a base que Zezé construíra, não repetiu o ataque uma só vez, combinou seis jogadores (Bauer, Brandãozinho, Ely, Danilo, Didi e Zizinho) em setes meios de campo diferentes e aliou-se ao chefe da delegação, José Lins do Rego, e ao médico Paes Barreto, contra as posições de Zizinho, segundo eles, um rebelde.

Tudo porque o jogador do Bangu, no papel de capitão, representou os companheiros na queixa pelos prêmios no Sul-Americano serem inferiores aos do Pan-Americano. Depois, com dores musculares, Zizinho recusou-se a entrar em campo na partida desempate (3 a 2 para o Paraguai), sob o efeito de uma injeção recomendada pelo médico. Pela rebeldia, seria banido da seleção. Em princípio, banido para sempre.

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