Copa de 1966: Desorganização punida com a vitória da ‘bola quadrada’

O título “a vitória da bola quadrada” é pedido emprestado ao jornalista português Carlos Pinhão, que o mandou por telefone, do centro de imprensa de Liverpool à redação do jornal lisboeta “A Bola”, na noite de 17 de julho de 1966. Para entendê-lo, é preciso conhecer detalhes da participação brasileira na oitava Copa do Mundo, partindo do mais importante: sua preparação.

O sorteio dos grupos para a fase final teve lugar em Londres, em dezembro de 1965. No caminho da seleção brasileira, em três jogos programados para o Goodison Park, estádio do Everton, em Liverpool, estavam três equipes europeias: Bulgária, Hungria e Portugal. O brasileiro em geral, e os responsáveis pelo futebol em particular, redobraram seu já exagerado otimismo. Poucos acreditavam que o tricampeonato mundial, com a consequente conquista definitiva da Taça Jules Rimet, escapasse ao Brasil em gramados ingleses.

E quais seriam os obstáculos à sua classificação às quartas de final? Primeiro, o futebol búlgaro, sem história, sem tradição. Na única vez que chegara à fase final de uma Copa do Mundo, em 1962, no Chile, a Bulgária conseguira incrível empate (0 a 0) com a Argentina, mas fora goleada (6 a 1) pela Hungria. Esta, tão temida em 1954, fazia tempo que já não era a mesma. Seu melhor jogador, Florian Albert, premiado como a revelação do campeonato no Chile, não chegava a preocupar os brasileiros. E Portugal, bem… Portugal, cujo futebol era objeto de típica gozação brasileira, jogava uma bola quadrada.

O otimismo era mesmo exagerado. A história das Copas do Mundo já registrara inúmeras zebras, como a derrota da Inglaterra para os Estados Unidos em 1950, e a Bulgária bem podia ser mais uma. Pela história e pela tradição, a Hungria merecia respeito. E Portugal, desde que Eusébio e Coluna tinham levado o Benfica ao título de campeão europeu, já estava jogando uma bola redondíssima.

O otimismo brasileiro tinha muito de autoadmiração. Ganhar consecutivamente duas Copas do Mundo, e ter no Santos o bicampeão intercontinental de clubes, soava como prova de que o Brasil tinha descoberto a fórmula infalível para ser campeão. Quem tinha Pelé e Garrincha no mesmo time tinha tudo. Os outros nove seriam meros complementos. Como se Pelé fosse um super-homem e as luzes do futebol de Garrincha já não estivessem, pouco a pouco, se apagando.

É evidente que Aimoré Moreira, treinador mantido no cargo após a vitória no Chile, não pensava que bastavam os dois gênios. Tanto que, no Sul-Americano de março de 1963, em La Paz e Cochabamba, não podendo contar com nenhum dos bicampeões, deu oportunidade a várias promessas. Se a seleção não foi bem (derrotas para o Paraguai, Argentina e Bolívia) e se as promessas não foram cumpridas, pelo menos havia em Aimoré a intenção clara de renovar. O que se confirmaria na excursão de abril e maio, quando ele teve todos os jogadores à disposição (menos Garrincha, liberado para viajar com o Botafogo) e tentou armar um time que, bem trabalhado, poderia representar o Brasil, dali a três anos, na Inglaterra.

Estava certo Aimoré, só que a única renovação que ele e os demais treinadores brasileiros pareciam conhecer era a de jogadores, a substituição de velhos craques por novos craques, quando outra, tão importante quanto, já vinha ocorrendo na Europa.

Ao morrer, com 89 anos, em 2002, o belga Raoul Mollet podia se vangloriar por ter contribuído para que o futebol se modernizasse no mundo inteiro, ao longo da década de 1960. Multiatleta que participara do pentatlo de duas Olimpíadas e de competições de hipismo, esgrima, tênis e golfe, sua paixão era, mesmo, o preparo físico. Tenente-coronel, foi um dos fundadores do Instituto Militar de Educação Física de Bruxelas e, mais tarde, presidente do Comitê Olímpico Belga. Em sua academia, Mollet criou o método de treinamento total, aplicável em todos os esportes, incluindo o futebol.

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