A publicidade e a Copa do Mundo 2014: a construção do imaginário popular através da rivalidade e da religiosidade

Ary José ROCCO JUNIOR
Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo /
Universidade Nove de Julho

Resumo

Os meses que antecedem a um megaevento como a Copa do Mundo são marcados
pelo lançamento de campanhas publicitárias que exploram o tema, presente na
mente dos consumidores de marcas que investem no esporte. Para construção
do imaginário popular, os publicitários procuram trazer a tona outros
elementos marcantes do cotidiano das pessoas como rivalidades nacionais
históricas e a religiosidade. O objetivo deste artigo é analisar a
exploração destes elementos, e como eles contribuem para a construção deste
imaginário popular consumista, em três peças publicitárias: a da TyC
Sports, da TV argentina, que utilizou a visita do Papa Francisco I ao
Brasil; a da PUMA do Uruguai, que explorou o fantasma de 1950 para os
brasileiros e a da VISA Brasil, que explorou os “carrascos” da Copa de
1982, Paolo Rossi; e da Copa de 1998, Zinedine Zidane. A ideia é analisar
como a construção, ou reafirmação de determinados elementos imaginários,
colaboram para as relações de consumo.

Palavras-chave

Publicidade e Futebol, Copa do Mundo 2014, Espetacularização do Esporte,
Religião e Rivalidade

Introdução

A Copa das Confederações, disputada no Brasil entre os dias 15 e 30 de
junho de 2013, deu início, pelo menos do ponto de vista do mercado
publicitário, à temporada de grandes eventos esportivos no país .
Após o encerramento da competição envolvendo os campeões continentais,
considerada pela Federação Internacional de Futebol Associado, a Fifa, como
evento-teste oficial para a Copa do Mundo de 2014, campanhas publicitárias
de empresas com forte vinculação com o futebol passaram a veicular suas
mensagens, agitando o imaginário dos torcedores do esporte mais popular do
planeta, ansiosos por mais uma competição importante entre nações e atletas
do mundo todo.
A população brasileira enxerga com muita simpatia as empresas
patrocinadoras dos grandes torneios esportivos dos quais o Brasil será
palco nos próximos anos. Levantamento da Nielsen Sports, braço de marketing
esportivo da Nielsen, que ouviu 2,1 mil pessoas em dez capitais do país em
setembro de 2012, indica que 40% estão dispostos a adquirir produtos de
empresas que vão patrocinar os eventos (MARINI, 2013: 5).
O resultado positivo é reforçado com os dados de outra pesquisa, também
realizada pela Nielsen, em dezembro de 2011, com 30 mil pessoas em dez
países que já sediaram Jogos Olímpicos. O Brasil foi o país que apresentou
maior percentual de interessados em consumir produtos de marcas que
patrocinaram o evento, com 87% (MARINI, 2013: 5).
Os resultados trazem dois desafios para as empresas envolvidas. O primeiro
é ser reconhecida pelo público como patrocinadora do evento – as pessoas
precisam ser informadas por meio de campanhas de divulgação. O segundo é
transformar o desejo dos consumidores em ação.
A publicidade, e suas campanhas, funcionam como “mola mestra” da sedução
dos “corações e mentes” dos torcedores e consumidores dos eventos
esportivos e de todas aquelas marcas envolvidos com a competição. A
publicidade é, então, um dos principais artifícios utilizados pelas
empresas para influenciar os desejos de consumo dos torcedores espalhados
pelo planeta, buscando aumentar sua participação no, cada vez maior,
mercado do entretenimento esportivo.
As estratégias das organizações que investem em esporte, através da
publicidade, procuram, em geral, criar vínculos de identificação entre seus
produtos e marcas com o seu público torcedor e consumidor. O que se
pretende, através dessas ações de comunicação, é estreitar as relações de
pertencimento existentes entre o individuo torcedor, aqui enxergado como
potencial consumidor, com as marcas e os produtos que gerenciam essas
estratégias.
O discurso publicitário ritualiza elementos da cultura em que se insere,
vinculando-os a práticas de consumo. Para Gastaldo (2013: 41), “o período
da Copa do Mundo também passa por um processo de ritualização mediatizada,
porém, a partir da temática do jogo. Pode-se dizer que o tempo da Copa do
Mundo no Brasil é um tempo para jogar”.
O objetivo desse artigo é apresentar, através da análise de três peças
publicitárias veiculadas na Argentina, Brasil e Uruguai, tendo a Copa do
Mundo como tema central; como empresas e marcas exploram elementos de
identificação nacional com os torcedores dos seus países, para conquistar
“corações e mentes” desses consumidores através do futebol.
As peças que serão analisadas são: a da TyC Sports, empresa de comunicação
da Argentina, que utilizou a visita do Papa Francisco I ao Brasil, em julho
de 2013, para divulgar o produto Copa do Mundo 2014; a da Puma, fornecedora
oficial dos equipamentos esportivos da Seleção do Uruguai, que explorou o
fantasma da Copa do Mundo de 1950; e a da Visa Brasil, organização que
administra cartões de crédito, que explorou as figuras dos “carrascos”
brasileiros das Copa do Mundo de 1982, Paulo Rossi; e 1998, Zinedine
Zidane.
É nossa intenção analisar, através das três campanhas, como a construção,
ou reafirmação de determinados elementos imaginários, colabora para o
estreitamento de relações de consumo entre torcedores, marcas e produtos. A
abordagem utilizada para a análise das peças publicitárias mencionadas será
qualitativa, baseada em conceitos da semiótica estruturalista.
Para essa corrente teórica, os significados são gerados nos filmes ou
programas televisivos e sua codificação gera profundos significados nas
mensagens transmitidas. Preocupa-se, essa linha de pensamento, com o
conteúdo manifesto e as relações estruturais da representação nos textos,
presentes na natureza referencial e no significado simbólico das mensagens
(TEIXEIRA, 2005).
Vanoye e Goliot-Lété (2008) propõem que a análise fílmica seja feita em
duas etapas: 1ª) decompor o filme em seus elementos constitutivos e
extrair, separar partes ou fragmentos percebidos isoladamente. Parte-se,
portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e obter um conjunto de
elementos distintos do próprio filme. Essa desconstrução pode ser mais ou
menos aprofundada, mais ou menos seletiva segundo os objetivos da análise;
e, 2ª) estabelecer elos entre esses elementos isolados, compreender como
estes se associam e fazem surgir um todo significante.

1. Publicidade, pós-modernidade e cultura de consumo

Uma das características da cultura da sociedade pós-moderna, segundo
vários de seus estudiosos, como Fredric Jameson (2005), Mike Featherstone
(1995), Zygmunt Bauman (2001) e Jean Baudrillard (1992), é a de ser uma
sociedade-cultura de consumo, que reduz o indivíduo à condição de
consumidor como consequência da automatização do sistema de produção. Os
novos formatos do consumo, nessa sociedade, estão relacionados com os meios
de comunicação, com a alta tecnologia, com as indústrias da informação
(buscando expandir uma mentalidade consumista, a serviço dos interesses
econômicos) e com as maneiras de ser e de ter do homem pós-moderno.
O modo de produção e de circulação dos bens, os padrões de desigualdade no
acesso aos bens materiais e simbólicos, a maneira como se estruturaram as
instituições da vida cotidiana (como a família, o lazer, os ambientes
urbanos, etc.), estão, em última instância, relacionados com o consumo.
Nossa sociedade-cultura cria, constantemente, novos espaços para os
consumidores, tornando o consumo um sistema global que molda as relações
dos indivíduos na pós-modernidade e é reconfigurada por tecnologias
variáveis que determinam os padrões de consumo.
Jean Baudrillard (1992), por exemplo, afirma que, nessa sociedade
pós-moderna, “já não consumimos coisas, mas somente signos”. Dentro desse
contexto, a estetização da vida cotidiana e o triunfo do signo retratam a
subordinação da produção ao consumo sob a forma de marketing, com uma
ascensão cada vez maior do conceito de produto, do design e da publicidade.
A pluralidade de consumidores é considerada através de um processo
governado pelo jogo da imagem, do estilo, do desejo e dos signos e
distribui-lhes estilos de vida de acordo com os critérios de mercado.
Para Anthony Giddens (2002), a mercantilização do consumo participa
diretamente dos processos da contínua reformulação das condições da vida
cotidiana, gera a chamada “experiência mercantilizada” da vida, e estimula
o crescimento econômico ao estabelecer padrões regulares de consumo
promovidos pela propaganda e outros métodos.
Como resultado da produção existe uma “lógica do capital”, nesta
sociedade-cultura pós-moderna existe uma “lógica do consumo”, estruturada
em torno do simulacro, do hedonismo, da colagem, do “tudo vale”, da
efemeridade, etc. Nesta lógica consumista, tudo é feito no sentido de
atrair o consumidor; as imagens desempenham um papel importante, sendo
constantemente veiculadas pela mídia; os códigos são misturados
ecleticamente e os significantes não possuem sentido, pois não apresentam
relação alguma.
Em função disso, Mike Featherstone (1995) afirma que “o consumo, não deve
ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades
materiais, mas primordialmente com o consumo de signos”, o que é muito bem
explorado pela publicidade, pela mídia e pelas técnicas de exposição,
quando estas fixam nos produtos (desde automóveis, eletrodomésticos e
bebidas, até uma simples caneta) imagens de beleza, sedução,
auto-realização, romance e até mesmo de qualidade de vida, desestabilizando
a noção original e tornando as mercadorias verdadeiras ilusões culturais,
que fascinam o consumidor pós-moderno pela sua estética, pelas associações
mirabolantes com os signos e pelas justaposições entre elas. Justifica-se
então o privilégio dado pelo capitalismo pós-moderno à produção de signos e
imagens, ao invés das próprias mercadorias.
Este é o “mundo do “faz-de-conta” da publicidade” (FEATHERSTONE, 1995) que
domina a sociedade-cultura de consumo pós-moderna e evidencia sua
característica principal que é apresentar um grande número de bens,
mercadorias, experiências, imagens e signos novos para que o homem
pós-moderno deseje e consuma.
Para David Harvey (1992), a publicidade “é a arte oficial do capitalismo;
traz para a arte as estratégias publicitárias e introduz a arte nessas
mesmas estratégias”, tendo, portanto, juntamente com as imagens da mídia
uma grande importância na dinâmica de crescimento do capitalismo tardio,
através da manipulação dos desejos e gostos. Esta dinâmica está totalmente
vinculada à capacidade de rapidez do mercado em explorar novas
possibilidades e na sua rapidez em apresentar novos produtos, criar novas
necessidades e novos desejos.
Para Baudrilard (1968), o consumo não é apenas modo de comunicação com os
objetos, mas com o mundo. O valor funcional, somado ao simbólico, reflete
as mudanças estruturais ocorridas na sociedade, e define a percepção desta
sobre o indivíduo, e deste sobre seus pares. Segundo o autor, justamente
nestas relações – de compra, venda, apropriação e descarte – reside a forma
de comunicação de nossa sociedade: os objetos-signo são os veículos de
comunicação e socialização do indivíduo.
Neste cenário, as preferências de consumo – e por conseguinte, o estilo de
vida – estão relacionadas a uma rígida estrutura de distinções graduais que
operam na sociedade. A dinâmica desta estrutura pressiona o indivíduo a
adquirir bens que lhe atribuirão posição, mercadorias altamente
conceituadas por seus pares e que portanto lhe atribuirão determinado
status.
A globalização tem um papel fundamental na regulação destas relações. A
queda das fronteiras dos Estados-nação, principalmente no tocante a mídia
de massa – como o advento da Internet e a crescente difusão da TV a cabo e
via satélite – vem possibilitando a transição de uma identidade cultural
matizada no Estado-nação para uma subjetividade formada sob forte
influência de matizes externas, ou seja, acaba-se por formar uma identidade
global.
O enfraquecimento da identidade local e a composição desta individualidade
uniforme, moldada por uma cultura global, implica na adoção de padrões de
vida e consumo vinculados a países altamente industrializados, e motiva o
indivíduo a se distanciar de valores solidários e do compromisso ético
implicitamente formado frente aqueles com quem divide seu habitat. Porém, e
em determinadas circunstâncias, a cultura local, típica da modernidade,
ressurge com força. Tudo em nome da cultura do consumo do produto esporte.

2. Da descrição das peças publicitárias estudadas

Conforme já mencionado, analisaremos três peças publicitárias veiculadas
no final de 2013 e início de 2014, por empresas comerciais envolvidas como
patrocinadoras no futebol em três países sul-americanos – Argentina, Brasil
e Uruguai -, com forte tradição no esporte , torcedores apaixonados e que
estão com suas seleções classificadas para a Copa do Mundo de 2014, no
Brasil.

a) “Jogo Bendito”, TyC Sports, Argentina, e o Papa Francisco

No início do ano de 2014, o canal argentino TyC Sports apresentou o
comercial “Jogo Bendito” , para dar início a sua cobertura da Copa do Mundo
de 2014.
O TyC Sports é um canal de televisão que veicula suas imagens para toda a
Argentina. A emissora pertencente à empresa Torneos y Competencias, com
programação baseada integralmente em esportes, principalmente o futebol. O
canal transmitirá a Copa do Mundo de 2014 para os argentinos.
A peça publicitária “Jogo Bendito” foi a mensagem inicial, veiculada pela
empresa, para informar seus telespectadores sobre a presença da emissora no
Mundial do Brasil. No filme, a figura do Papa Francisco I é a presença
principal. De origem Argentina e assumidamente fã de futebol, imagens do
Pontífice, durante a Jornada Mundial da Juventude realizada no Rio de
Janeiro em julho de 2013 são intercaladas com imagens de jogadores, atuais
e do passado, vestindo a camisa da seleção argentina de futebol.
Figura 1 – Jogo Bendito

Fonte: http://vimeo.com/81542596
Palavras do Papa Francisco, pronunciadas durante o evento na capital
carioca, servem de elemento condutor ao perfeito trabalho de edição que
mesclou as imagens religiosas (do Papa) e esportivas (da seleção
argentina). O conteúdo da mensagem, que perpassa todo o filme, acaba
funcionando, em razão da belíssima edição, como elemento de encorajamento
para a seleção e todos os argentinos.
A peça publicitária mostra o Papa Francisco falando aos jovens da Jornada
Mundial da Juventude, como se suas palavras fossem diretamente direcionadas
aos albicelestes e seus torcedores. O Pontífice se torna, assim,
protagonista involuntário do filme “Jogo Bendito”.
No final, na assinatura da mensagem, a emissora conclama os argentinos a
“viverem o Mundial 2014 em TyC Sports”.

b) “El Fantasma del 50”, Puma, Uruguai, e o Maracanazzo

Logo após a classificação da seleção do Uruguai para a Copa do Mundo de
2014, em cima da Jordânia, a Puma, fabricante de material esportivo
utilizado pela “Celeste Olímpica ”, lançou um filme publicitário para
comemorar o feito.
O viral, que veio a público em novembro de 2013, retrata o “El Fantasma
del 1950 ” passeando pelo Rio de Janeiro, para se divertir. Trajando uma
saída de praia azul como “lençol”, o personagem vestido com as cores da
seleção uruguaia, visita, ao som de um bom samba, os principais pontos
turísticos do Rio de Janeiro, do Sambódromo ao bondinho do Pão-de-Açúcar, e
assombra a vida dos habitantes da cidade.
Figura 2 – El Fantasma del 50

Fonte: https://plus.google.com/+FantasmaDel50/videos
A “assombração” da derrota brasileira na final da primeira Copa do Mundo
realizada no país, em 1950, passeia até pelo gramado do Maracanã, palco do
triunfo uruguaio na decisão daquela competição por 2 a 1, onde “bate uma
bolinha”. O Maracanazzo de 1950 é um fato até hoje pouco compreendido pelo
imaginário do torcedor brasileiro.

c) “Todos são bem-vindos”, Visa, Brasil, e os carrascos brasileiros em
Copas

A Visa, uma das patrocinadoras oficiais da Copa do Mundo 2014, também
aproveitou o início do ano do Mundial para lançar seu filme publicitário. A
empresa, uma administradora de cartões de crédito, optou por produzir uma
peça bem humorada, que explora a rivalidade no futebol entre o Brasil e
outras grandes seleções do mundo, como a Itália e a França, sem deixar de
destacar o espírito acolhedor do brasileiro.
O conceito presente no comercial da marca, “Todos são bem vindos ”, é
fundamental para a Visa. A empresa é conhecida em todo o mundo e o Brasil,
na Copa do Mundo de 2014, é o anfitrião da competição. O filme procura
ressaltar esses dois elementos, com bom humor, divertida ironia e
criatividade.
Na peça, um barbeiro acaba de atender um simpático senhor até então
desconhecido. Porém, ao receber o cartão Visa para o pagamento do serviço,
ele descobre de quem se trata: o italiano Paolo Rossi, principal
responsável pela eliminação da mítica seleção brasileira de 1982, após
marcar três gols.
Figura 3 – Todos são bem-vindos

Fonte: http://www.mktesportivo.com/2013/12/carrascos-do-brasil-em-
-copas-estrelam-campanha-da-visa/
Após a surpresa, o barbeiro começa a relembrar os momentos de tristeza
daquela Copa, ainda menino, na barbearia que então pertencia a seu pai. Em
um momento de tensão, ele olha fixamente para Rossi, limpando a navalha na
toalha que porta em seu ombro, mas interrompe o clímax ao se despedir:
“Volte sempre, Paulinho”, enfatizando o espirito acolhedor dos brasileiros.
O comercial é finalizado com outra surpresa: pela mesma porta, entra
ninguém menos que francês Zinedine Zidane, carrasco da seleção brasileira
nas Copas do Mundo de 1998 e 2006.

3. O futebol, a comunicação e a construção da identidade

Os três filmes publicitários descritos acima – “Jogo Bendito”, “El
Fantasma del 50” e “Todos são bem-vindos” – apresentam estratégias de
comunicação que retratam como tema central o futebol. As peças mostram,
ainda, a importância do esporte para a formação da identidade cultural de
três países latino-americanos – Argentina, Uruguai e Brasil -, que
reconhecem, na sua formação cultural e social, a importância do futebol.
As peças trabalham, também, com elementos presentes no imaginário,
construído de forma histórica, na evolução do relacionamento das sociedades
de Argentina, Uruguai e Brasil com o futebol. Vários elementos, presentes
nos filmes, procuram evocar fatos históricos vividos pelos três países em
Copas do Mundo e que, em função disso, contribuíram historicamente para o
desenvolvimento de valores socialmente assimilados através do esporte.
Os filmes publicitários selecionados relacionam o futebol com vários
outros aspectos culturais presentes na vida de argentinos, uruguaios e
brasileiros. Rivalidades com outros países, religião, superstição, a
invenção do cotidiano, tudo isso aparece nas peças publicitárias
apresentadas. O objetivo claro dessa construção é estabelecer, através do
futebol, uma identidade clara da marca patrocinadora com o torcedor de
futebol, hoje, por vezes, encarado como consumidor.
Já no início dos anos 1970, Roberto DaMatta (1982: 34) afirmava que
“através do futebol, se pode realizar uma outra dramatização muito
importante. Trata-se da reificação que o jogo permite, quando deixa que uma
entidade abstrata como um ‘país’ ou um ‘povo’ seja experimentado como algo
visível, concreto, determinado”.
O futebol permite, então, a dramatização da vida social. O tom dramático,
de construção da realidade, é encontrado, de diferentes formas, nos três
filmes apresentados.
Em “Jogo Bendito”, por exemplo, o tom da peça é todo ele dramático. As
imagens do Papa Francisco, intercaladas com os jogadores da seleção
argentina em ação, assume um caráter de dramaticidade, presente na trilha
sonora e na edição das imagens, combinadas com as falas do Pontífice, que
funciona, aqui, como um narrador, um porta-voz da nação, chamando seus
atletas para a disputa. Não uma disputa qualquer, mas uma disputa que pode
colocar a pátria em evidência.
O drama, em “El Fantasma del 50”, é bem humorado. Aqui, ele ocupa um papel
reverso. A final da Copa do Mundo de 1950 não foi, para o Uruguai, algo
dramático. Pelo contrário, significou, talvez, uma das maiores vitórias da
história do esporte do país. O drama, aqui, foi para um arquirival, o
Brasil. O Fantasma de 50 enquanto personagem funciona, no filme
publicitário, como reafirmação de um momento especial do país Uruguai sobre
o seu vizinho, sempre maior, o Brasil. O fato da Copa do Mundo de 2014 ser
disputada no mesmo palco em que os uruguaios conquistaram seu último título
mundial contribui e reafirma o tom dramático.
Já em “Todos são bem-vindos”, a dramaticidade é um dos principais
elementos do filme da Visa. Os fracassos brasileiros em Copas do Mundo
resgatados pela peça publicitária – a de 1982 e de 1998 – foram, depois de
1950, as derrotas mais marcantes da seleção brasileira em Mundiais. Em
especial, a de 1982, competição na qual o Brasil tinha, para a mídia
especializada e para o imaginário torcedor, uma das melhores seleções de
sua história, com jogadores do nível de Zico, Sócrates, Falcão e o
treinador Telê Santana. Perder aquela Copa para a rival Itália foi algo
dramático para o esporte no país. Representou, na época, um forte
questionamento sobre o estilo arte dos brasileiros praticarem o esporte. A
identidade futebolística brasileira foi fortemente questionada. Paolo
Rossi, o autor dos três gols italianos, o responsável inesquecível por
aquela derrota.
A dramatização, dentro da publicidade, segundo Kellner (2001), cumpre o
papel de recurso artístico e psicológico, utilizado mercadologicamente,
para vender produtos e visões de mundo por meio de imagens, retórica e
slogans justapostos em anúncios nos quais são postos em ação esses
recursos.
Como já adiantava o autor (KELLNER, 2001), a publicidade, assim como a
televisão, em sua linguagem, põe à disposição de seus clientes alguns
equivalentes funcionais do mito para cultivar o “coração e a mente” de seus
consumidores. Os produtos da mídia, entre eles os filmes publicitários,
emergem a partir de um processo que envolve economia e cultura ou, nos
casos em que estamos analisando, as empresas patrocinadoras e suas marcas e
a cultura do futebol sul-americano.
Para Rubio (2001: 101), “o publico é atraído por menssagens e valores que
refletem as expectativas contemporâneas, porém não de maneira direta e
objetiva, mas quase sempre metafórica”. Whannel (apud. RUBIO, 2001: 101)
irá afirmar que o “esporte tem sido prodigamente apresentado como
metanarrativa: a mídia narra os eventos esportivos transformando-os em
estórias com estrelas, personagens, heróis e vilões”.
É no processo de construção de audiência, ou de criação de desejo no caso
da publicidade, ainda segundo Rubio (2001: 101), que estão
“estrategicamente posicionadas as questões nacionais e patrióticas
reveladas em práticas discursivas que tocam em questões de identidade de um
povo ou nação”.
O Papa Francisco, de “Jogo Bendito”; o Fantasma de 50, na peça
publicitária da Puma; e os carrascos do Brasil, Paulo Rossi e Zinedine
Zidane, em “Todos são bem-vindos” assumem o papel, nos filmes apresentados,
de personagens criados e sustentados pela publicidade.
O Papa Francisco, por exemplo, não está verdadeiramente falando para e
sobre a seleção argentina. Trata-se de uma montagem, um personagem real
atuando de forma fictícia, construída pela mente criativa dos profissionais
de publicidade. Ocorre aqui, em “Jogo Bendito”, àquilo que Barthes (1993)
chama de “o mito como linguagem roubada”.
“El Fantasma del 50” age no intuito de representar todo um contexto que,
historicamente, está presente no imaginário dos torcedores brasileiros: a
inesperada derrota de 1950. Para o pensador francês (BARTHES, 1993), o
Fantasma vestido com as cores do uniforme da Seleção do Uruguai é o signo
que, na linguagem semiótica, significa todo o contexto que resultou do
triunfo uruguaio e o fracasso brasileiro.
Já Paolo Rossi e Zinedine Zidane são as representações clássicas do atleta
elevado à condição de mito. Especialmente, o atacante italiano. Rossi
chegou à Copa do Mundo de 1982 logo depois de cumprir pena de afastamento
do futebol por envolvimento com a “fabricação” de resultados na Itália.
Depois da queda, cumpre a trajetória de ressurgimento com sua atuação
fundamental para a conquista do título daquela competição pela Seleção da
Itália. Para nós, brasileiros, é o anti-herói. É, dentro daquilo que propõe
Barthes (1993) o signo que representa o fracasso do futebol-arte
apresentado pelo Brasil na Copa do Mundo de 1982. É o símbolo, a
representação da derrota brasileira naquele Mundial.
Todos esses personagens criados e sustentados pela publicidade assumem,
assim, o papel que Edgar Morin (1997) define como de olimpianos modernos.
“O novo Olimpo onde esses heróis habitam é o produto mais original do novo
curso da cultura de massa” (RUBIO, 2001: 102).
De acordo com Campbell (2007), a função primária da mitologia e dos ritos
sempre foi a de fornecer símbolos que levam o espírito humano a avançar em
oposição àquelas fantasias humanas que tendem a levá-lo para trás. Nesse
sentido, o autor fala que ao nos mantermos ligados às imagens da nossa
infância, por exemplo, não fazemos as passagens necessárias para a vida
adulta (CAMPBELL, 2007). A nossa “aventura” da vida não é impar,
imprevisível e perigosa, mas é antes de tudo a série de metamorfoses
padronizadas pelas quais os homens têm passado, em todas as partes do
mundo, em todos os séculos e sob todas as aparências assumidas pelas
civilizações. Assim sendo, se pudermos recuperar algo esquecido por nós
mesmos, ou por uma geração ou por toda civilização a que pertencemos,
poderemos ser portadores da boa nova, heróis culturais do nosso tempo
(CAMPBELL, 2007).
Assim, e buscando uma aproximação com Morin (1997), podemos afirmar que
como toda a cultura, a cultura de massa produz seus heróis, seus
semideuses, suas narrativas. Nos três casos apresentados, as narrativas
produzidas pela linguagem publicitária fundem, dentro da cultura de massa,
os três universos propostos pelo teórico francês: o do imaginário; o das
normas; o da informação, dos conselhos e das incitações.
A conexão de todos esses elementos, apresentados acima, nas figuras do
Papa Francisco, do Fantasma de 50 e de Paolo Rossi criam a identificação
necessária dos personagens com as marcas que representam e com o universo
dos torcedores, agora consumidores, público-alvo das estratégias dos
publicitários que produziram os filmes mencionados.

4. Rivalidades, religiosidade e consumo

A importância do futebol para a construção da identidade na Argentina, no
Uruguai e no Brasil, faz, com a aproximação da Copa do Mundo e a existência
da rivalidade entre os três países pela supremacia do esporte no
continente, com que alguns elementos estejam sempre presentes no imaginário
popular. As rivalidades no esporte e a religiosidade, como elemento de
aproximação cultural com o futebol, contribuem para a construção da
identidade em torno do esporte e, em função disso, servem para que a
propaganda conquiste “corações e mentes” de seus torcedores, agora
enxergados como consumidores.
O evento esportivo Copa do Mundo, hoje, em função do grande número de
empresas patrocinadoras, tornou-se um produto comercial que obedece à
lógica do mercado. Porém, em sua essência, é uma competição entre nações
para definir a supremacia do futebol mundial. O sucesso no esporte dos três
países estudados – Argentina, Uruguai e Brasil – e sua proximidade
continental, faz crescer a rivalidade entre os três países.
A Copa do Mundo reacende, em um contexto globalizado, a identidade
nacional. Kellner (2001: 331) afirma que “está havendo uma espécie de
rebelião contra a produção de identidade apenas como feito individual,
dando-se maior ênfase às formas de identidades tribais, nacionais e
grupais, além de outras coletivas”. Aqui, em função da proximidade
geográfica, a supremacia no esporte, por vezes, representa, na construção
da identidade nacional, a liderança continental.
Da mesma forma, a formação cultural dos três países foi muito influenciada
por hábitos e costumes introduzidos pelos colonizadores europeus, pelos
escravos africanos e pelos indígenas que aqui viviam. O misticismo e a
religiosidade são dois dos principais pontos através do qual essa
influencia de diversas culturas se manifestou. Esses elementos contribuíram
na formação da construção cultural e da identidade de argentinos, uruguaios
e brasileiros. A união do misticismo e da religiosidade não passou
despercebida pela publicidade.
Em “Jogo Bendito”, a simbiose entre religião e futebol é bem clara. O
filme da TyC Sports intercala imagens do Papa Francisco e da seleção
argentina de futebol. Se nos gramados a disputa Argentina vs. Brasil é
equilibrada, no campo religioso não. A origem argentina do Pontífice dá ao
país vizinho certa superioridade objetiva no confronto do campo religioso
em comparação com o Brasil.
Durante o filme publicitário, a rivalidade aparece quando a locução do
Papa afirma que os “cariocas receberão bem os argentinos”. Neste instante,
imagens de Francisco I no meio dos fiéis brasileiros, durante sua visita ao
Rio de Janeiro, são intercaladas com o gol de Caniggia, pela Seleção
Argentina, que eliminou o Brasil na Copa do Mundo de 1990, na Itália. É a
rivalidade sendo chamada ao imaginário dos torcedores argentinos.
Após mostrar várias imagens do Papa sendo adorado por milhares de
brasileiros durante a Jornada Mundial da Juventude, o filme fecha seu
conteúdo com a chamada: “Si un argentino hizo esto em Brasil, imaginate 23
”. A peça procura, assim, trazer para o campo do futebol uma superioridade
objetiva existente na comparação entre os dois países no campo religioso.
Apesar da pretensa sugestão de superioridade, não há no filme nenhum
indício de agressividade por parte da produção argentina da película. Ao
contrário, é possível perceber um profundo respeito dos argentinos pelo
Brasil e por seu povo. É a ideia presente, defendida por Helal & Lovisolo
(2007), que, quando o assunto é futebol, os “argentinos odeiam amar os
brasileiros e os brasileiros amam odiar os argentinos”.
Já em “El Fantasma del 50”, a religiosidade aparece na forma de
misticismo. A figura do Fantasma sugere que a vitória uruguaia na Copa do
Mundo de 1950 apresentou algo de mítico, de transcendental, em um nível de
superação poucas vezes observado em competições futebolísticas ou em outros
triunfos do vitorioso futebol do Uruguai.
O filme publicitário, que exalta a presença da Puma na classificação do
Uruguai para a Copa do Mundo do Brasil, trabalha com as coincidências de
local e do mesmo clima que se criou entre os dois eventos, o Mundial de
1950 e o de 2014. Assim como ocorreu em 1950, a Copa de 2014 pretende
mostrar ao mundo, através da organização da competição, a grandeza do
Brasil. Em 1950, por exemplo, o Brasil ergueu, para a competição, o maior
estádio do mundo naquela época, o Maracanã, palco da grande final contra os
uruguaios.
Hoje, o país ergueu 12 estádios de nível internacional, com forte
investimento público e privado, para mostrar ao mundo a grandeza e a
pujança da economia e da sociedade brasileira no plano internacional. O
“novo” Maracanã, agora reformado, será novamente o palco da grande final da
Copa do Mundo de 2014.
A derrota brasileira na Copa do Mundo de 1950, com o evento realizado em
“casa”, certamente é o maior trauma da história do nosso futebol e, durante
muito tempo, contribuiu para o “complexo de vira-latas” da identidade
cultural do povo brasileiro. Os uruguaios foram o fantasma da nação Brasil
no Mundial de 1950. Com a classificação garantida da seleção do Uruguai
para a Copa do Mundo de 2014, também no Brasil, nada melhor para a
construção do imaginário popular do torcedor uruguaio do que resgatar um
dos maiores momentos de glória do futebol do país vizinho. Foi isso o que
fizeram os publicitários que produziram o filme El Fantasma del 50.
Não passava na cabeça de ninguém, no Uruguai, que sua seleção seria capaz
de vencer a do Brasil em pleno Maracanã, na decisão da Copa do Mundo de
1950. Também não passava pela cabeça de nenhum eufórico torcedor brasileiro
que sua seleção não seria capaz nem ao menos de segurar um empate contra a
“Celeste Olímpica” com o apoio de seus 200 mil torcedores naquela mesma
final.
O clima de tragédia, com a derrota brasileira na final de 1950, foi geral.
A perda daquele Mundial pelo Brasil representou um dos maiores golpes que a
auto-estima do brasileiro sofreu no século XX. Por outro lado, a conquista
da Copa do Mundo de 1950 representou, para os uruguaios, um dos momentos de
maior afirmação da identidade positiva do Uruguai no campo internacional.
São os dois lados de uma mesma moeda de uma rivalidade historicamente
construída no imaginário de brasileiros e uruguaios.
A rivalidade Uruguai vs. Brasil e o misticismo serviram, assim, para a
construção da identidade do torcedor uruguaio com a marca fornecedora do
material esportivo de sua seleção. A coincidência do local do Mundial, o
Brasil; do estádio da final, o Maracanã; e da presença do Uruguai na
competição, foram fundamentais para o resgate deste imaginário de glórias
do futebol uruguaio.
Em “Todos são bem-vindos”, propaganda da Visa, administradora de cartões
de crédito, a religiosidade não está objetivamente presente. O filme
publicitário trabalha com a mística do futebol-arte, ilustrada pela seleção
brasileira de 1982, aquela que, no imaginário popular, não merecia perder.
De forma subjetiva, a derrota da Copa do Mundo da Espanha representa “um
capricho dos Deuses do futebol”. Ao contrário do fracasso de 1950, quando o
Brasil ainda não era reconhecido como o país do futebol, a derrota contra a
Itália representou o fracasso no confronto entre o futebol-arte, dos
brasileiros, e o futebol-força, dos italianos.

O jogo entre Itália e Brasil foi uma narrativa modelar da gangorra entre a
prosa consistente e as irrupções de poesia, sempre a ponto de estabilizar
num ponto médio ideal para cair, como que fatidicamente, na revanche do
golpe da realidade. (…) O monólogo teatral de Davide Enia, “Itália –
Brasil 3 a 2”, nos dá uma versão literalmente espetacular do jogo da
perspectiva de uma família italiana, com suas superstições católicas e
pagãs, e a consciência de estar diante de “uma empresa titânica, um milagre
a realizar”. Nesse milagre, Paolo Rossi, que tinha caído em desgraça e que
vinha sendo visto como um jogador incapaz de chutar com o pé direito ou com
o esquerdo, de cabecear ou cobrar faltas, faz o papel de um “Lázaro
ressuscitado” que, uma vez redivivo, partirá para “uma série incrível de
seis gols consecutivos (três contra o Brasil, dois contra a Polônia e o
primeiro contra a Alemanha na final), levando a Itália ao título (WISNIK,
2008: 342).

Paolo Rossi, como já mencionamos, desempenha, na Copa do Mundo de 1982, um
papel mitológico. A queda, anterior ao Mundial, com seu envolvimento e
suspensão do esporte por manipulação de resultados, é superada com os gols
que levaram a Itália ao título.
O percurso padrão estabelecido por Campbell (2007) para a aventura
mitológica é representado nos rituais de passagem: separação, iniciação e
retorno. Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de
prodígios sobrenaturais, onde encontra forças e obtém uma vitória decisiva,
o herói volta de sua aventura com o poder de trazer benefícios aos seus
semelhantes.
As derrotas de 1950 e de 1982, inesperadas para os brasileiros, são
resgatadas nos filmes “El Fantasma del 50” e “Todos são bem-vindos”. Os
dois fracassos da seleção brasileira tiveram efeitos marcantes, mas de
natureza diversa no imaginário popular do torcedor brasileiro.
Como mostra Wisnik (2008), o outro existe e as derrotas de nossa seleção
mostram isso muito mais do que as vitórias. Porém, em 1950 essa constatação
nos pegou de surpresa, como uma fatalidade inconcebível, um verdadeiro
fantasma. Já em 1982, a fatalidade foi construída na insistência italiana
de ficar na frente do placar em todas as oportunidades que o Brasil
empatava . “Por isso também, a derrota da geração de 1982 não cai
necessariamente no domínio da melancolia irreparável, mas de um luto
doloroso a ser feito” (WISNIK, 2008: 343).
É por isso, também, que a derrota do Brasil em 1982 pode ser personificada
na figura do atacante italiano Paolo Rossi. Com seus três gols, o atleta
impediu a vitória brasileira e mandou para a casa a melhor seleção daquele
mundial. Rossi é, para o imaginário popular do torcedor brasileiro, o mito
da derrota de um time. Já em 1950, a queda não foi somente da seleção, mas
sim de um projeto de país que crescia e se desenvolvia. Um verdadeiro
fantasma.
A propaganda da Visa adquire sentido na reconstrução de algumas das
principais derrotas do Brasil em Copas do Mundo, em especial àquelas que
podem ser personificadas em atletas adversários, como Paolo Rossi e o
francês Zinedine Zidane, algoz brasileiro em 1998 e 2006. As rivalidades
futebolísticas contribuem, assim, para essa construção da identidade do
torcedor com a marca.
Em “Jogo Bendito”, o filme da TyC Sports também faz menção a uma partida
entre Argentina e Brasil, com a eliminação brasileira da competição. Foi na
Copa do Mundo de 1990, quando os argentinos, liderados por Diego Maradona,
derrotaram um apático Brasil por 1 a 0, nas oitavas-de-final, eliminando
uma fraca seleção brasileira.
As três peças publicitárias demonstram, claramente, o Brasil como o
adversário a ser batido por toda e qualquer seleção que estiver no Mundial.
Eliminar os brasileiros em qualquer Copa do Mundo é considerado, por todas
as nações do mundo, como um fato digno de nota, digno de ser sempre
lembrado. A publicidade, nos três casos mencionados, trabalhou muito bem
isso na construção do imaginário do torcedor e na criação da identificação
entre marcas e consumidores.
Destinadas respectivamente ao público de Argentina e do Uruguai, “Jogo
Bendito” e “El Fantasma del 50” colocam a seleção brasileira como o padrão
do adversário a ser batido, principalmente quando o Brasil joga em casa,
com o apoio de sua torcida. Já em “Todos são bem-vindos”, destinada ao
público brasileiro, o filme explora o aspecto esportivo, mas deixa essa
questão em um segundo plano. Mais importante do que vencer seus adversários
históricos, o fundamental, na Copa do Mundo de 2014, para os torcedores
brasileiros, é receber bem, de forma hospitaleira, ao mundo inteiro que
aparecer por aqui para prestigiar a Copa do Mundo de 2014.
A Visa, em função de ser uma empresa global, conclama seus consumidores a
receber bem todos os estrangeiros, usuários da marca, como Paolo Rossi no
filme. A mensagem, aqui colocada no imaginário de cada torcedor, é a
seguinte: se o turista estiver com o seu cartão da marca Visa, ele deve ser
bem recebido. Ganhar, ou perder, é do jogo.

Considerações finais

Na sociedade de risco atual, os processos de socialização – processos por
meio dos quais as pessoas desenvolvem seus valores, motivações e hábitos –
conduzem à formação da cultura alicerçada sobre o ato de consumir. Assim,
os valores internalizados pelos indivíduos, e que regulam o seu
comportamento frente aos seus pares, formando conjuntos de crenças
socialmente constituídos, são valores consumistas.
Utilizar a expressão “cultura de consumo” nos parece condizente com o
panorama que se apresenta em nossa época, pois é preciso que se enfatize
que os princípios de estruturação de nossa sociedade, como já falaram
Baudrillard (2000) e Featherstone (1995), são princípios relacionados ao
mundo das mercadorias e da posse.
Por outro lado, a busca incessante de satisfação através do consumo, em
certa medida, apresenta-se refúgio do real, como abrigo nos símbolos, nos
signos, como criação de nosso próprio simulacro da realidade, social e
culturalmente constituído. A vida cotidiana, assim, é invadida por uma
vertiginosa torrente de informação – a comunicação de massa, o mass media –
que direciona e formula os constructos da realidade, molda a concepção de
“real” do indivíduo, e por consequência, acaba moldando também seu modo de
viver e de se organizar em sociedade. Assim, o herói e as narrativas
modernas não apresenta algo de sobrenatural, mas se transformam, sim, em um
signo de consumo.
O Papa Francisco, o Fantasma de 50 e os carrascos do Brasil são, assim,
signos de consumo. Os filmes publicitários da TyC Sports, Puma e Visa
procuram associar suas marcas ao futebol, à nacionalidade e aos símbolos do
consumo escolhidos por essas empresas, em suas peças publicitárias, para
levar a sua mensagem, de maneira mais agradável, simpática e cheia de
elementos de identificação, para os seus consumidores.
O caráter de identificação comunitário, aqui nos casos analisados, o
caráter de identificação nacional, típico da modernidade, sempre esteve
presente na cultura do futebol. Os produtos culturais, principalmente
aqueles relacionados ao entretenimento, são feitos para serem rapidamente
consumidos a fim de que novos sejam produzidos. O futebol não é exceção a
essa regra da cultura contemporânea, não é exceção à dinâmica da
pós-modernidade.
Os meios de comunicação de massa contribuem, nesse contexto, para a
construção de uma realidade onde os signos substituem, de fato, a
realidade. As narrativas dos feitos, e dos fracassos, dos grandes ídolos e
das grandes equipes do esporte, são os caminhos concretos para essa
construção publicitária que serve ao consumo.

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