Análise da trajetória do futebol piauiense: da época áurea à decadência1

Maria do Socorro de Sousa CRUZ2 Faculdade Piauiense, Teresina-PI

RESUMO

O futebol foi implantado no Piauí em 1905 iniciando em Parnaíba, onde foi fundada a Liga Parnaibana de Futebol. Em seguida, foi criada a Liga de Teresina, na capital, e a Federação de Futebol local. Isso culminou no profissionalismo, em 1963. A partir das décadas de 50 e 60, a modalidade preferida entre os piauienses, o futebol, ganhou espaço nos meios de comunicação, em especial, no rádio, tendo como pioneiro o jornalista Carlos Said, maior referência do jornalismo esportivo da época no Piauí. Este artigo teve por objetivo analisar a trajetória do futebol piauiense, da época àurea, nos anos 70, à decadência. Foram realizadas entrevistas abertas com o escritor Severino Filho e o jornalista Carlos Said e pesquisa bibliográfica sobre a referida temática. O futebol, no Piauí, embora tenha conseguido mobilizar a sociedade, nos anos 70, sofreu decadência que, até então, não foi superada.

PALAVRAS-CHAVE: futebol; década áurea; decadência.

INTRODUÇÃO

O futebol foi introduzido no Brasil por Charles Miller, no começo do século XIX. Este esporte que, na visão do escritor Graciliano Ramos, não ganharia espaço no país, superou as expectativas e passou a ser a grande paixão brasileira e a atrair milhares de pessoas, sobretudo em torno do seu espetáculo (COELHO, 2008).

Embora, inicialmente, tenha sido esporte de elite, a trajetória do futebol no Brasil se relaciona com a cultura e a identidade do povo, fato exposto no pensamento de Roberto Da Matta, que compara o futebol como um ritual competitivo, tomando como exemplo a Copa do Mundo, que consegue mobilizar grande parte da população do país (DA MATTA, 2006).

A popularização do futebol junto às camadas mais baixas da sociedade levou o Brasil a ser conhecido como o país do futebol ou mesmo a pátria da chuteira, denominação atualmente questionada por alguns autores e estudiosos da temática, como o sociólogo Ronaldo Helal, que acredita que já não há mais tanto apego à seleção canarinho (HELAL; SOARES, on-line).

Assim como ocorreu nos demais Estados do país, no Piauí, o futebol sempre foi e é o esporte preferido e se tornou patrimônio cultural de seu povo. Através de sua memória, mostrada pela mídia especializada e por registros históricos e acadêmicos, é possível retratar fatos importantes ocorridos ao longo de sua trajetória (SAID, 2011).

Com mais de um século de existência, o futebol piauiense teve seu momento de glória, em especial, nos anos 70 e esteve presente em competições importantes, como o Campeonato Brasileiro de Clubes promovido, na época, pela Confederação Brasileira de Desporto (CBD) (SAID, 2011; FILHO, 2005).

Os clubes piauienses, desde o início da profissionalização, enfrentaram times de expressão e com resultados significativos. A Sociedade Esportiva Tiradentes, que pertencia ao comando da Polícia Militar do Piauí, por duas vezes, ficou entre os 20 melhores clubes do país e foi o time de maior projeção do Estado (SAID, 2011; FILHO, 2005).

Nesta fase áurea, a sociedade piauiense se mobilizava e incentivava o futebol local, comparecendo aos jogos. O Estádio Albertão, construído em 1973, em Teresina, capital do Piauí, pelo então governador do Estado Alberto Silva, foi palco das vitórias de times piauienses e recebia público recorde. Em nível estadual, milhares de torcedores iam ao clássico Rivengo, jogo entre os rivais River e Flamengo, duas das mais tradicionais agremiações do futebol do Piauí (FILHO, 2001; ENTREVISTA COM CARLOS SAID).

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi analisar a trajetória do futebol piauiense – da época áurea à decadência.

METODOLOGIA

A análise sobre a trajetória do futebol do Piauí foi feita com base em entrevistas abertas realizadas com o escritor e radialista Severino Filho e com o jornalista Carlos Said, ambos do Piauí, os quais são referências na história do jornalismo esportivo piauiense. Os entrevistados relataram fatos importantes do futebol local, história dos clubes, evolução, época de ouro do esporte bretão em terras piauienses e sua decadência e, consequentemente, o desaparecimento dos grandes ídolos.

Dentre os questionamentos feitos, ainda pode-se citar a relação da sociedade piauiense com o futebol, que era a principal atração e diversão da população local nos finais de semana, e o processo de substituição do amadorismo pelo profissionalismo e suas implicações. Realizou-se pesquisa bibliográfica a respeito da história do futebol nacional e do Piauí em artigos, monografias, dissertações, teses e livros publicados no período de 2005 a 2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O futebol chegou ao Piauí, como esporte de elite, por volta de 1905, através de ingleses, em Parnaíba, município localizado no litoral do Estado. No dia 27 de julho de 1906, surgiu o Theresinense Foot-Ball Club, primeira agremiação de futebol do Estado. O Parnahyba, fundado em 1913, dentre os times que estão em atividade, é o mais antigo (FILHO, 2005).

Em 1916, um fato importante aconteceu: foi realizado o primeiro campeonato, organizado em Parnaíba, com a criação da Liga de Futebol local. Depois, surgiram a Liga de Teresina e a Federação de Futebol do Piauí, culminando com a chegada do profissionalismo, em 1963, quando, no dia 7 de julho, o Piauí Esporte Clube e o Caiçara fizeram um primeiro jogo, no estádio Lindolfo Monteiro, em Teresina e abriram o Campeonato Piauiense, sendo oficialmente a primeira competição de futebol profissional do Estado. O River foi campeão após uma série de melhor de três jogos contra o próprio Caiçara (FILHO, 2005).

No Piauí, o futebol começou a ter espaço na mídia nas décadas de 50 e 60, sendo introduzido pelo jornalista Carlos Said, referência do jornalismo esportivo piauiense na época, em especial no meio radiofônico, sobretudo na Rádio Difusora e Pioneira de Teresina (SAID; HOLANDA, 2010).

Em nível local, um das jornadas mais históricas foi escrita pelo River Atlético Clube, que perdeu apenas dois campeonatos (1949 e 1957), no período de 1948 a 1963. Por conta desta vitoriosa campanha, ganhou o apelido de Eterno Campeão piauiense (FILHO, 2001).

Figura 1. River Atlético Clube, vice-campeão de 1965.

Fonte: Acervo de Severino Filho.

A primeira classificação piauiense em uma competição nacional aconteceu em 1963, na Taça Brasil, com o River Atlético Clube, que obteve a vaga em cima do Sampaio Correa, de São Luís (MA). Na partida de ida, no Nhozinho Santos, na capital maranhense, os donos da casa venceram de 3 a 0 e na volta, no Lindolfo Monteiro, em Teresina, os piauienses ganharam de 2 a 0. No terceiro e decisivo jogo, o River, venceu, na prorrogação, de 1 a 0. Mas na fase seguinte, o River foi eliminado pelo Paysandu (PA) (FILHO, 2005).

Em se tratando de participação de clubes do Piauí em jogos internacionais, ocorreu em 1965, quando o Transval Sport Club de Paramaribo, do Suriname fez dois amistosos em Teresina (FILHO, 2005).

Severino Filho, em seu relato, afirma que, individualmente, nenhum brilho foi tão intenso como atleta de clube piauiense, quanto Simão Teles Bacelar, o Sima. Mesmo jogando a maior parte de sua carreira por times do Piauí, foi notícia em todo o Brasil, chegando a ser capa, póster e tema de reportagem na Revista Placar, a principal do gênero no país.

Sima tem uma marca histórica de mais de 550 gols na carreira, sendo o maior goleador da região Norte-Nordeste. Iniciou a carreira na equipe do Piauí Esporte Clube, em 1966 e foi campeão piauiense nos anos de 1967, 1968 e 1969. Neste último ano, esteve     no Sport (PE), mas não ficou e retornou para o Piauí. Ainda teve atuação no Moto Clube (MA) e no Bahia (BA) e, em 1973, vestiu a camisa do Tiradentes, onde conquistou o bicampeonato piauiense em 1974 e 1975, sendo novamente o artilheiro do campeonato e titular do elenco da equipe, primeiro time a representar o Piauí em um Campeonato Brasileiro, em 1973 (MEIRELES, 2011).

Figura 2. Sima – O maior goleador do norte e nordeste de todos os tempos.

Fonte: Revista Placar, 1977.

Segundo Severino Filho, nos últimos 100 anos, a história do futebol do Piauí tem sido escrita por inúmeras personalidades, entre atletas, dirigentes, árbitros, jornalistas e outras figuras. Carlos Said e Severino Filho são duas personalidades importantes que fazem parte desta história.

Patrono do futebol do Piauí, Carlos Said, ex-correspondente da Revista Placar, 82 anos de idade, é o fundador da crônica esportiva piauiense, milita na área desde 1946, quando iniciou a carreira no meio radiofônico do Estado. Magro de Aço, como passou a ser conhecido após sofrer um acidente automobilístico, é o retrato vivo da história do esporte e, em especial, do futebol do Piauí (SAID; HOLANDA, 2010).

Ainda aos 12 anos de idade, Carlos Said driblava os pais para jogar futebol na rua e buscava espaço nos meios de comunicação para falar sobre o esporte de sua paixão. Aos poucos, foi se consagrando; fez a primeira transmissão radiofônica de uma partida de futebol no Piauí pela Rádio Pioneira, a primeira de Teresina (SAID; HOLANDA, 2010).

Severino Filho, durante a entrevista, relatou sobre a sua paixão pelo esporte. Ele, ainda garoto, com oito anos, foi influenciado pelo irmão mais velho, Gomes de Oliveira, começando como cronista esportivo no rádio piauiense. À época, o jovem repórter Gomes de Oliveira já valorizava a arte de preservar a memória do futebol. E passou, depois de algum tempo, a apresentar programas e a escrever em jornais sobre o futebol do passado. Também montou, em casa, um grande arquivo.

A partir de 1971, Severino, com 10 anos de idade, passou também a colecionar objetos relacionados ao futebol. A atividade do irmão mais velho e o fato de ter acompanhado todos os jogos do Brasil na vitoriosa Copa de 70 foram o bastante para fazer, do garoto um apaixonado pelo futebol. Daí percebeu a importância de resgatar e preservar a história (ENTREVISTA COM SEVERINO FILHO).

Na ótica de Severino Filho, em sua entrevista, o maior fator de motivação para o torcedor piauiense, nos anos 70, foi o investimento que o poder público estadual deu ao futebol, construindo o estádio Albertão e contratando jogadores famosos para vestir a camisa do Tiradentes, time de maior expressão do Estado e que os reflexos foram quase que imediatos (LEAL, 2010).

A construção do estádio Albertão faz parte da política dos governos militares, que objetivava aproximação do povo brasileiro através do futebol, em virtude da conquista da Copa de 1970 pela seleção do Brasil, tornado o esporte como a grande paixão nacional. Com isso, em todo o país foram construídos estádios de futebol. Foi nessa época que o nacionalismo estava em alta que foi criado o Campeonato Brasileiro de Clubes, promovido pela CBD, que tinha como presidente João Havelange. O Piauí, que precisava apenas de um estádio com uma capacidade para no mínimo 20 mil torcedores, participou com o Tiradentes que passou a ser conhecido em todo o Brasil (SAID, 2011).

Em sua participação na competição nacional, o Tiradentes venceu grandes clubes do futebol brasileiro pela série A, como o Corinthians, em 1973, e o Palmeiras, 1975, de 1 a 0; Botafogo, 1975, de 2 a 1; e Flamengo, 1975, de 3 a 2. Outro fato que marcou foi o título de vice-campeã da seleção piauiense, perdendo o título brasileiro para Rio Grande do Sul no saldo de gols (FILHO, 2005).

Figura 3. Tiradentes, campeão de 1974.

Fonte: Acervo de Severino Filho.

Carlos Said, em seu depoimento sobre a história do futebol do Piauí, retratou que a sociedade, nos anos de 1970 a 1983, se organizou em torno do futebol, período marcado pela ascensão da Sociedade Esportiva Tiradentes, do River Atlético Clube, do Esporte Clube Flamengo e do Piauí Esporte Clube. Nos anos de 1973, 1974 e 1975, o Tiradentes fez por onde a sociedade se organizasse e havia a cumplicidade da mídia esportiva – jornais impressos e rádio – formando novos hábitos e costumes.

Na visão de Carlos Said, depois de 1983, começou a decadência, o futebol começou a declinar.

A comparação é única, nós vivíamos no amadorismo para o futebol que estava perfeitamente organizado com o profissionalismo, o futebol deixou de ser arte e passou a ser negócio. E tanto é verdade que nos anos 70, o Flamengo tinha uma  sede fantástica, o River um patrimônio inestimável e o Piauí Esporte Clube tinha uma sede próspera. O Tupi Caldas, presidente do Tiradentes, deixou a sede do clube amarelo devidamente organizado. No entanto, o que temos hoje? (DEPOIMENTO DE CARLOS SAID).

Neste sentido, o profissionalismo, visando lucros pessoais e particulares, proporcionou a desorganização dos dirigentes em torno do futebol piauiense, que culminou na perda do patrimônio dos clubes, no endividamento e desaparecimento dos ídolos.

No entanto, de acordo com o escritor Severino Filho, o ponto de partida para a decadência do futebol piauiense foi no ano de 1978. Ele revelou que, em 1977, Flamengo e River decidiram o Campeonato Piauiense em três jogos, com o total de 100 mil pagantes nas três partidas, presentes no estádio Albertão. Em 1978, o River abriu um jogo para Picos e tirou o Flamengo da decisão do campeonato. Milhares de torcedores revoltados deixaram de ir aos estádios. Em 1979, foi a vez do Flamengo abrir um jogo para o mesmo Picos e tirar o River da decisão. O processo mudou de camisa e outros milhares de torcedores começaram a afastar-se dos estádios.

Ainda na visão de Severino Filho, paralelo a toda esta polêmica envolvendo River e Flamengo, outras opções de lazer foram surgindo em Teresina, e a decadência teve início.

Naquele ponto de partida, precisava-se trabalhar com um antídoto e isso não foi feito. Depois tivemos dirigentes se eternizando nos clubes, dilapidando  o patrimônio dos clubes, deixando de fazer boas contratações, iniciando um processo de mesmice nos plantéis, com o rodízio de atletas manjados apenas mudando de camisa e faltando atração para o torcedor (DEPOIMENTO DE SEVERINO FILHO).

CONCLUSÃO

O futebol piauiense teve um período chamado de década de ouro, nos aos 70, marcada por grandes feitos históricos de clubes em competição nacional, em especial a Sociedade Esportiva Tiradentes, que, em nível de Brasil, foi o time do Estado que mais se projetou nacionalmente. Além da revelação de grandes ídolos, como Sima, o maior artilheiro do Norte-Nordeste, tendo marcado mais de 550 gols em toda a carreira e que passou a ser conhecido no Brasil, ocupando espaços importantes na mídia, sobretudo na Revista Placar.

A construção do estádio Albertão foi um dos marcos desta história, pois o mesmo possibilitou a inclusão do futebol do Piauí no Campeonato Brasileiro de Clubes, com a participação de milhares de torcedores, que lotavam as dependências daquela praça esportiva. Nesta época, havia um envolvimento da sociedade em torno do futebol. Mas, anos depois, devido a má gestão dos dirigentes, o futebol, que tanto atraia a atenção do povo piauiense, perdeu a credibilidade e iniciou o processo de decadência vivida até os dias atuais.

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1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Especialista em Gestão em Eventos, email: [email protected].

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