Há exatos 40 anos, João Saldanha era demitido da seleção brasileira. O técnico que montou o time com ‘onze feras’ foi tirado do cargo de técnico do melhor time do mundo meses antes da Copa de 1970. No dia 17 de março daquele ano, Saldanha recebia a má notícia pela boca de João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Mas o caminho para a demissão foi longo e envolve muitas histórias.
Roberto Assaf e Antônio Carlos Napoleão resumem, no livro sobre os 90 anos da seleção brasileira: “Sob o comando de João, a seleção só perdeu uma vez – para a Argentina, em Porto Alegre – praticando um futebol ofensivo, de qualidade, mas o forte temperamento do treinador, um tanto avesso a críticas e rumores, acabou determinando a sua saída”.
Para mergulhar mais fundo nos motivos da demissão de um técnico com tantos bons resultados, fiz um apanhado do belíssimo livro ‘João Saldanha: sobre nuvens de fantasia’, de João Máximo. Divido em tópicos para facilitar a leitura:
Em 1969, glória e fama no comando da seleção
“Em 1969, brilhara. Armara um time, fizera o Brasil inteiro confiar nele, tornara-se o mais popular cidadão do país. Nem craque, nem político, nem cantor, nem galã de tevê, nem artista de cinema gozava de tanta popularidade. Realizara um bom trabalho de organização para a Copa do Mundo, inclusive estudando ou recorrendo a especialistas para saber qual a melhor maneira de os brasileiros não sentirem os efeitos dos mais de dois mil metros de altitude em terras mexicanas. E atuara de modo perfeito como marketing man de suas feras”.
– E Dario?
– O que tem Dario?
– Você não vai dar uma oportunidade a ele?
– Dario é um excelente jogador, mas eu já tenho os meus atacantes.
– Você sabia que o presidente gostaria que você o convocasse?
– Pois olha: o presidente escala o ministério dele e eu escalo o meu time”.
“O episódio Dario talvez não tivesse ido além daqueles primeiros puxões de orelha (dados por Havelange), não fosse o que se seguiu à derrota para a Argentina em Porto Alegre: o time não encontrando seu padrão de jogo, Saldanha cada vez mais irritadiço……Saldanha acusava a imprensa de corrupta, de enlatada, de ter o rabo preso com a CBD e com os militares…….Enquanto Havelange conjeturava (a demissão), outros fatos aconteciam paralelamente para precipitarem o desenlace”.
Armado para tirar satisfações do técnico do Flamengo
“E nada foi mais fácil do que derrubar João Saldanha: bastava provocá-lo, fustigar-lhe os nervos, tocar-lhe nos pontos fracos. É impressionante o número de entrevistas que Yustrich (técnico do Flamengo) concedeu por aqueles dias. Numa delas, à revista Cruzeiro, atirava toneladas de insultos sobre o rival: ignorante, falastrão, mentiroso, não conhecia futebol, oportunista, covarde: “É um valentão que puxa o revólver e sai correndo”, disse a propósito do caso Manga em dezembro de 1967.
Na noite de 12 de março de 1970, Saldanha chegou de revólver na mão à concentração do Flamengo, em São Conrado. Entrou empurrando o vigia Cruz, ameaçou o cozinheiro Laudelino, apontou a arma para o goleiro Adão e perguntou:
– Onde se meteu o canalha do Yustrich?
Yustrich não estava. Saldanha disse alguns desaforos e foi embora. O presidente do clube, André Richer, não quis nem saber: uma semana depois entrou com uma queixa-crime contra Saldanha na 15ª Delegacia Distrital por invasão de domicílio e agressão ao vigia Cruz”.
“João Havelange não tinha mais dúvidas. E se temia ainda uma reação desfavorável do torcedor, convenceu-se de vez no sábado, dia 14, quando a seleção brasileira empatou em 1 a 1 com o Bangu num jogo-treino em Moça Bonita. Péssima atuação das feras. À saída do estádio, numeroso grupo de torcedores cantava em coro.
– Eu grito, eu falo, o João Saldanha tem cara de cavalo…”
A gota d’água
“Dia 17, terça-feira, após o treino no Itanhangá, Saldanha anunciava a escalação para o amistoso de domingo com o Chile. Sem Pelé. A decisão de poupar o maior jogador do Brasil contrariava os interesses da CBD, que precisava de Pelé para levar público ao Maracanã. Mas já não tinha a menor importância. À noite, na sede da CBD, João Havelange decretava:
– Senhores, quero comunicar-lhes que a comissão técnica da seleção brasileira está dissolvida.
– O que o senhor quer dizer com dissolvida? – interveio Saldanha – Não sou sorvete para ser dissolvido. Quer dizer que estou demitido?”
Agora a sobremesa: sempre com frases polêmicas, Saldanha disse o seguinte durante as eliminatórias para a Copa de 1970: “Todo treinador de juvenis é meio homossexual. E todo treinador de qualquer categoria que defende a concentração é candidato a corno”
O livro ‘Deixa que eu chuto’, de Renato Maurício Prado, conta boa história do técnico.
“Como técnico da seleção, João Saldanha teve que responder à seguinte pergunta de um ‘trepidante’ momentos antes de um jogo no Beira-Rio, recém-inaugurado:
– E aí, Saldanha, gostou do gramado?
E Saldanha, sem pestanejar:
– Ainda não provei”.
Fonte: Revista Placar, Jornal dos Esportes, Jornal do Brasil, Jornal o globo, Tribuna de Minas e Arquivo Pessoal Márcio Guerra