Novos velórios tornam-se eventos sociais cercados de luxo e glamour

Diante da morte, somos todos iguais, diz a sabedoria popular. Mas uns são mais iguais que os outros. Empresas especializadas em funerais personalizados e de luxo se espalham pelo país, fornecendo decoração suntuosa, carro importado para o transporte do féretro e até lembrancinhas para os “convidados”. A tendência, originada nos EUA, ganha força sobretudo em São Paulo.

É na capital paulista que funciona a Funeral Home, aberta em 2008. A empresa ocupa um casarão tombado na Bela Vista com quatro salas para velórios com decorações temáticas, inspiradas em cidades como Paris e Nova York. Os que vão se despedir de alguém ali contam com manobrista na entrada e ganham mimos na saída. Já houve quem optasse pelos tradicionais santinhos, por flores e até por um doce batizado de bem-velado, versão fúnebre do bem-casado. As famílias podem escolher três diferentes tipos de bufê. E a empresa organiza também cerimônias em outros lugares, como a casa do morto. É o velório delivery.

– Sempre viajei bastante e observava esse tipo de cerimônia em outros países. Nossa ideia não é só oferecer luxo, mas também segurança e conforto – afirma Milena Toscano, diretora da empresa.

Em seu site, a Funeral Home apresenta, entre suas “missões”, atender quem deseja homenagear a memória de um membro da família. A deferência à pessoa morta é, aliás, o principal objetivo dos familiares ao escolher velórios personalizados, argumentam empresários do segmento.

– Em um momento tão especial, é importante ter um ambiente amigável. A arquitetura funerária, antes vista como pesada, se modernizou – defende o empresário Lourival Panhozzi, no mercado há 39 anos.

Sócio da Prever, de assistência familiar, e presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário, Panhozzi calcula que as companhias que oferecem serviços customizados correspondem a 15% do total de 5.500 negócios no país.

Pacotes de até R$ 20 mil

O empresário construiu o Complexo Funerário Orlando Panhozzi, de 3.500 metros quadrados, em Botucatu (SP). Lá são realizadas cerimônias que custam até R$ 20 mil e incluem salas reservadas a parentes do morto, serviço de bufê e carro funerário com luz de LED. Música clássica, em geral, e sucessos da cantora new age Enya são as principais pedidas de familiares quando se trata da trilha sonora que acompanha o transporte do corpo até o cemitério, conta Panhozzi, que recorre ao filósofo Heráclito para explicar o seu negócio:

– Ninguém entra duas vezes no mesmo rio. Quando mergulha pela segunda vez, a pessoa já se modificou. É assim também com quem vai a um velório. Esperamos que dali saia um pessoa diferente, melhor.

Outra referência no segmento é Maria Aparecida Lima. Conhecida como promoter de funerais, ela está à frente da Pax Apoio Familiar, em São Paulo. Entre as solicitações de clientes que já atendeu, estão música ao vivo, tapete persa e até pétalas de rosa lançadas por um helicóptero.

– Em alguns casos, trata-se de realizar um último desejo do falecido afirma. – Um dos únicos pedidos que não consegui atender foi o de um homem que queria pés de cana e limão sobre o seu túmulo. Em vida, ele brincava que, assim, poderia fazer caipirinhas eternamente. O cemitério não autorizou.

Se empresários do setor defendem que a personalização dos velórios é uma forma de demonstrar afeto pelo falecido, antropólogos analisam as cerimônias como sintomas da sociedade de consumo e individualismo.

‘É consumismo’, diz antropólogo

– Uma das características da sociedade contemporânea é a individualização. Cada vez menos as pessoas se conformam em ser tratadas como qualquer um. E os empresários da área funerária descobriram o filão – observa o antropólogo José Carlos Rodrigues, professor da PUC-Rio, que sugere ainda que a espetaculização dos funerais está relacionada a estratégias de dissimulação e descaracterização da morte.

Professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rogério Bianchi de Araújo também critica o modelo. Segundo ele, a sofisticação dos funerais é produto da valorização excessiva das aparências.

– Estamos imersos numa sociedade de consumo, e até a morte passa por isso – avalia. – É o mundo da imagem, em que a estética supera a ética. Acho que a homenagem fica num segundo plano ou atrelada a uma lógica de mercado. É a homenagem esteticamente produzida.

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